Dizer a verdade sobre uma greve pela qualidade do ensino e em defesa da dignidade dos docentes
Do contexto sócio- político
A pretexto do combate ao défice, o Governo desencadeou um violento ataque aos professores visando desvalorizar a situação social dos docentes. É neste contexto que deve entender-se a luta desenvolvida pelos professores portugueses nos últimos dias, contemplando a realização de uma greve nacional organizada regionalmente entre os dias 20 e 23 de Junho que traduz de forma exemplar, no que toca à abordagem pública que dela foi feita, não só toda a complexidade do momento político que atravessamos, como também a dimensão da nebulosa informativa colocada ao serviço de um pensamento único, condicionadora da construção livre e democrática de juízos de valor autónomos, individual ou colectivamente trabalhados.
Porque os meios, sabemo-lo todos, são desiguais no que se refere à passagem de informações, não ficou claro para a maioria dos cidadãos que a greve que os professores realizaram não era contra os seus alunos, suas famílias, mas sim em defesa da qualidade do ensino e da dignidade profissional dos docentes.
De facto, todo este frenesim legislativo de que se apossou o actual Governo, sustentado numa aparentemente inadiável batalha contra o défice, se insere numa linha de continuidade de um há muito denunciado ataque aos serviços públicos, matizado, naquilo que agora se vem clarificando, de um feroz ataque aos próprios estatutos das carreiras docentes, sustentáculos da profissão tenazmente conseguidos ao longo de muitos anos de luta, ao serviço não só da dignificação da carreira docente mas também da consagração em lei das suas especificidades próprias.
Pensar que alguma vez se consegue melhorar a qualidade da educação neste país (como noutro qualquer) maltratando, desvalorizando, desprestigiando e até espezinhando direitos adquiridos por uma classe profissional tão importante no plano social como a dos professores é uma estultícia, um erro político grosseiro e um desvario conceptual.
Os gravíssimos procedimentos deste Governo no sentido de limitar o direito à greve dos professores, longe de constituírem um exercício de autoridade democrática, são, pelo contrário, reveladores de uma clara falta de cultura democrática, preocupante pela desinserção constitucional que revelou e impensáveis para todos os portugueses que acreditam estar já solidamente sedimentada a democracia que conquistámos em Abril de 1974.
O despudor na assunção de comportamentos a este nível atingiu tais proporções que em algumas regiões surgiram situações que prefiguram verdadeiros atentados ao regime democrático e ao seu suporte legal, designadamente à Constituição da República Portuguesa e à Lei da Greve. É o que está a acontecer na área da Direcção Regional de Educação do Centro e na da Direcção Regional de Educação do Alentejo. Na DREC foram exigidas por todas as Coordenações Educativas, por pedido superior, o “envio da lista de docentes que no dia 20 de Junho estavam designados para os serviços mínimos e não compareceram”. Perante a recusa da esmagadora maioria dos conselhos executivos fornecerem tais listas, foram efectuados telefonemas para órgãos de gestão das escolas pressionando-os no sentido de serem elaboradas e enviadas essas listas. Na área da DREA, para além do pedido de listas nominais, foi ainda acrescentado que o seu não envio significaria que os conselhos executivos ficariam “referenciados” sem que se explicite todo o alcance da expressão que, assim, surge como mais uma entre as inúmeras ameaças feitas nestes dias aos professores. A FENPROF não pode pactuar com este tipo de situações, claramente atentatórias da liberdade de exercício do direito à greve, e avançará, por intermédio dos sindicatos das respectivas áreas educativas com a apresentação de queixa-crime contra as entidades promotoras da iniciativa ilegal (direcções regionais e coordenações educativas), bem como contra os órgãos de gestão que tenham procedido à elaboração de tais listas.
Outra completa mistificação, encenada pelo Governo e amplificada pela maioria da comunicação social, reporta à aferição dos resultados verificados nos dias de greve pelo número de exames que deixaram de se realizar, como se o pré-aviso da FENPROF e da FNE se apresentasse dirigido ao boicote aos exames ao invés de uma greve prevista para todos os sectores de ensino, em dias bem determinados, e só nesses.
Estaremos aqui perante uma espécie de “efeito avestruz” em que o Governo finge ignorar a enorme demonstração de descontentamento que, contra todas as adversidades e intimidações, os professores portugueses realizaram entre 20 e 23 de Junho, para colocar o foco num objectivo estrito que as organizações sindicais nunca colocaram e defenderam, mas de que se serviu para manipular a opinião pública e tentar sair incólume do primeiro confronto sério que teve com a classe docente.
Das várias manifestações de solidariedade no plano internacional recebidas pela FENPROF – impensáveis para os “doutos” fazedores da opinião pública que verteram rios de prosa sobre o isolamento dos professores portugueses e, mais ainda, das suas direcções sindicais – destaca-se, pela sua importância, a posição da Internacional de Educação, a maior organização no campo da Educação a nível mundial, que não se limita a manifestar a sua solidariedade pela luta travada em Portugal, como também se dirige ao Governo português, lembrando-lhe que não há serviços mínimos na educação em nenhuma Convenção assinada no seio da Organização Internacional do Trabalho.
Também outro dos grandes objectivos identificados no decurso deste tempo de luta, do lado do poder instituído e dos seus seguidores, registou um rotundo e completo fracasso: criar distâncias, enfraquecer laços, criar divergências entre a FENPROF e os professores que representa. A greve realizada, num inaudito clima de intimidação, ameaças, perseguições e arbítrios de toda a ordem, levou a que muitos professores forçados a não fazer greve por medo de represálias anunciadas ou, noutros casos, sugeridas, reforçassem a sua ligação aos Sindicatos, sentissem neles a cobertura e o apoio que precisam para a continuidade da própria luta, enfim, compreendessem melhor a importância de estar sindicalizados e dar força à unidade que se constrói no exercício quotidiano da actividade sindical, em todos os seus níveis e espaços de afirmação.
Da negociação
A equipa do Ministério da Educação e o Governo têm revelado uma atitude verdadeiramente anti-negocial desde o momento em que foram anunciadas as medidas que levaram os professores e educadores à luta durante o mês de Junho.
Tudo começou com a intervenção do Primeiro-Ministro na Assembleia da República, em 25 de Maio, quando anunciou o congelamento das carreiras, o agravamento das condições de aposentação e mais algumas iniciativas legislativas de alteração de aspectos diversos do ECD. Em 2 de Junho, com o processo de negociação por abrir, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, as medidas antes anunciadas tornando-as públicas em comunicado difundido nesse dia no seu portal electrónico e mais tarde, a 24 de Junho, sob a forma de Resolução, em Diário da República.
A 15 de Junho foi entregue à FENPROF um projecto de Proposta de Lei que prevê a não contagem do tempo de serviço prestado pelos professores até 31 de Dezembro de 2006, e a consequente não progressão na carreira. Em posição entregue ao ME e divulgada publicamente, a FENPROF dá conta do seu profundo desacordo e do repúdio que lhe merecem, como à generalidade dos docentes, estas medidas que, sem uma efectiva negociação, estão a ser impostas.
Dias depois, em 27 de Junho, a FENPROF voltou a ser convocada para a negociação da designada, pelo ME, “terceira alteração” ao ECD. A FENPROF apresentou-se na reunião sem conhecer quais os assuntos do ECD que seriam alterados e o projecto de Decreto-Lei para negociação foi-lhe apenas entregue no início dos trabalhos. Por essa razão, não teve lugar qualquer negociação tendo sido marcada nova reunião para 8 de Julho.
Depois de conhecer o conteúdo do projecto de Decreto-Lei, as já fracas expectativas quanto a um eventual processo negocial desvaneceram-se, pois confirmou-se que o documento continha apenas medidas que na sexta-feira anterior tinham sido publicadas em Diário da República, integradas na Resolução do Conselho de Ministro.
É neste quadro que decorre um processo negocial que não passa de um simulacro, pois na verdade nada de substantivo se negoceia. Ou seja, estamos perante um verdadeiro embuste. Como é seu apanágio, a FENPROF mantém-se sempre disponível para negociar e, por essa razão, participará em todas as reuniões para que for convocada, apresentando propostas concretas que entende necessárias para salvaguardar os direitos e interesses dos professores e da escola pública. Contudo, a manter-se a farsa denunciará sempre, no final de cada uma, o que nela aconteceu, deixando claro que a equipa ministerial, com estas reuniões, pretende apenas enganar os professores e, de uma forma geral, toda a sociedade portuguesa. Uma atitude hipócrita que mostra a cultura antidemocrática dos que assumem a pasta da Educação, ministra e secretários de estado. Uma postura não isolada porque corresponde à estratégia global de um Governo que recebeu o voto maioritário dos portugueses, em 20 de Fevereiro, e daí concluiu que governa sempre com autoridade democrática mesmo quando ofende os mais elementares princípios democráticos ou atenta contra o edifício constitucional como acontece quando ataca os direitos sindicais.
Da campanha anti-sindical às respostas da FENPROF
Os professores e os educadores já tomaram consciência de que vão ser protagonistas de uma longa e dura batalha. O que se joga a partir de agora é o carácter público da educação e o valor social da profissão docente. O desmesurado ataque lançado nos últimos dias, de forma conjugada, por governantes, empresários e alguns escribas da comunicação social, contra os sindicatos dos professores e o modo ignóbil como os dirigentes sindicais têm sido por eles insultados tem um claro objectivo: facilitar a privatização do ensino, torná-lo numa “mercadoria” sujeita às leis do mercado – o que para boa parte da “classe empresarial” do país significa privatizar usando os dinheiros públicos. A FENPROF orgulha-se de continuar a ser a principal força na defesa do direito a uma Escola a que todos tenham acesso e onde todos tenham direito ao sucesso. A FENPROF assume com orgulho o seu papel na denúncia das ilegalidades favorecendo a implantação e o financiamento dos colégios privados generosamente financiados pelo dinheiro dos contribuintes e à custa da penosa penúria de muitas escolas públicas. A FENPROF não desistirá de exigir ao Ministério da Educação respostas concretas para os problemas com que se debatem os professores, os educadores e as escolas, traduzidas nomeadamente nas “21 medidas urgentes” que em Março entregou à ministra da Educação e sobre as quais esta nada disse até ao momento.
O ataque aos serviços públicos é acompanhado pelo ataque aos seus trabalhadores. Não é por acaso que o primeiro-ministro, os responsáveis do ministério da Educação, grandes empresários, “comentadores” muito bem pagos na comunicação social têm conscientemente mentido a respeito dos docentes do ensino público, criando junto da opinião pública a imagem de uma classe de privilegiados, de conformistas, de preguiçosos. Eles sabem que isso não é verdade. Mas cumprem zelosamente a tarefa que lhes foi pedida: a de abrir caminho à proliferação do ensino privado, destinado aos mais ricos, degradando as escolas públicas e a sua imagem. À enorme dedicação da maioria dos docentes, aos verdadeiros milagres que a sua entrega tem operado face à deterioração do tecido social, respondem tais personagens com ataques soezes à classe docente. Os docentes não deixarão destruir a Escola; não deixarão destruir a dignidade da sua profissão; não deixarão aviltar o seu Estatuto. Saberão unir-se em torno da FENPROF que não alijará a enorme responsabilidade que tem sobre os seus ombros: a de coordenar esta longa e árdua luta, a de dar voz aos professores porque eles dão rosto ao futuro.
Da acção
Como antes se referiu, estamos perante uma luta que será prolongada, de extrema complexidade e que certamente se pautará pela dureza de algumas das acções a levar a efeito, tal a dimensão e violência da ofensiva a que os professores estão sujeitos.
O Conselho Nacional da FENPROF, reunido em Lisboa no dia 30 de Junho, decide, no plano imediato, que compreende o final do presente ano lectivo e o início do próximo, levar a efeito as seguintes iniciativas:
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Manter todas iniciativas já desencadeadas no plano jurídico e judicial, designadamente contra a determinação ilegal de serviços mínimos e contra a elaboração de listas de professores que tenham aderido à greve. Ainda neste domínio, a FENPROF garante a defesa de todos os professores ou educadores que venham a ser alvo de qualquer tipo de represália, sejam ou não sindicalizados, por terem aderido à greve ou que, sendo membros de órgãos de gestão de escola ou agrupamento, tenham recusado cometer qualquer ilegalidade.
A FENPROF analisará ainda diversas declarações públicas e textos de opinião em que o bom nome ou a honra dos professores, dos sindicatos ou dos seus dirigentes sejam postos em causa, bem como os que, em relação a estes, venham a ser considerados de carácter calunioso, avançando, sempre que se justifique, com a respectiva queixa-crime. No conjunto de declarações em causa, encontram-se as proferidas pela ministra da Educação, no passado dia 22 de Junho, quando entrevistada pela Sic-Notícias.
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A FENPROF recorrerá a instâncias nacionais e internacionais adequadas no sentido de, por um lado, defender os direitos dos professores e educadores que, com as medidas que estão a ser impostas pelo Governo, são postos em causa, medidas essas que, em muitos casos, são de duvidosa constitucionalidade. Estas iniciativas da FENPROF serão também desenvolvidas junto da OIT, neste caso, para denunciar as medidas aprovadas e desenvolvidas pelo Governo que puseram em causa o direito dos professores à Greve e tentaram impor, à revelia dos conceitos internacionalmente aceites, serviços mínimos no sector da Educação.
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A FENPROF enviará uma carta a todos os senhores deputados, bem como à Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura e à de Direitos, Liberdades e Garantias, nestes casos acompanhada de um pedido de audiência. A FENPROF enviará também uma carta a Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa. Estas cartas referir-se-ão ao período de luta que foi desenvolvido pelos professores durante o mês de Junho e aos motivos que levaram os professores a uma luta que teve naquele mês o seu primeiro momento.
A FENPROF desencadeará uma campanha junto da população no sentido de reconstruir uma imagem positiva da profissão docente, tão irresponsavelmente posta em causa pelas atitudes do actual governo.
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A FENPROF exige que as medidas legais a por em prática já no próximo ano lectivo (e com incidências na sua preparação) sejam de facto negociadas. A persistência da atitude não negocial será objecto de denúncia pública da FENPROF junto dos professores, da população e do Comité Sindical Europeu.
A FENPROF alerta para as consequências negativas que resultam das medidas não negociadas para a vida das escolas e para os alunos.
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A FENPROF associar-se-á à jornada de luta da Administração Pública do próximo dia 15 de Julho, não através do recurso à greve, uma vez que nessa altura os professores já não estão a desenvolver actividade lectiva e alguns iniciam o seu período de férias, mas com a realização de um Plenário Nacional de Dirigentes, Delegados e Activistas Sindicais a que se seguirá uma deslocação ao Ministério da Educação para entrega de Moção a aprovar.
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No início de Setembro, logo que se inicie o ano escolar, a FENPROF porá em circulação um abaixo-assinado, junto dos professores, cujo teor abordará três aspectos específicos: o repúdio pelo agravamento das condições de exercício da profissão docente que resulta das medidas impostas pelo Governo (congelamento das progressões, roubo do tempo de serviço, alterações de aspectos avulsos do ECD e agravamento das condições de aposentação); a sua determinação na defesa de aspectos essenciais do estatuto da carreira docente que o ME pretende alterar, como anunciou, até ao início de 2007; o seu empenhamento na concretização de acções diversas que tenham por objectivo a afirmação da profissão docente na escola e na sociedade, provando a injustiça das acusações a que estiveram sujeitos nas últimas semanas e das medidas que lhes estão a ser impostas.
A nível do ensino superior, a FENPROF lançará, no início do ano lectivo, iniciativas com vista à mobilização dos docentes e dos investigadores para garantir negociações (para a revisão das carreiras) que conduzam a soluções para os problemas principais que afectam os docentes e os investigadores, de que se destacam a precariedade laboral e o bloqueamento das carreiras.
A FENPROF exigirá do MCTES respostas a estes e outros problemas que afectam o conjunto do Sistema de Ensino Superior (universitário e politécnico, público e particular e cooperativo).
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Durante o primeiro período lectivo, a FENPROF promoverá uma iniciativa nacional de envolvimento dos quadros sindicais para reflexão e debate sobre as linhas estratégicas da sua intervenção no processo de revisão do ECD que o ME pretende levar a efeito em 2006. O Conselho Nacional da FENPROF aprovará, na sua próxima reunião, a estratégia negocial, o calendário de acção e luta e as iniciativas de unidade e convergência a levar a efeito, seja no âmbito da CGTP-IN, da Frente Comum, ou em conjunto com a FNE.
Lisboa, 30 de Junho de 2005
O Conselho Nacional da FENPROF