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Queixa à OIT: texto integral subscrito pelas 14 organizações que integram a Plataforma Sindical dos Docentes

Queixa à OIT: texto integral subscrito pelas 14 organizações que integram a Plataforma Sindical dos Docentes

Exmº Senhor

Director-Geral da

Organização Internacional do Trabalho

4, route des Morillons

CH-1211 Genève, 22

SUIÇA

O Governo português, por intermédio do Ministério da Educação, decidiu promover a revisão do Estatuto de Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, vulgarmente conhecido por Estatuto da Carreira Docente (ECD).

Dado o seu conteúdo, que versa, essencialmente, sobre as condições de trabalho de docentes que exercem a sua actividade profissional na Função Pública, este é um dos diplomas legais abrangido pelo disposto na Lei sobre Negociação Colectiva para a Administração Pública, – Lei nº 23/98, de 26 de Maio de 1998 – prevendo-se, pois, como de negociação obrigatória e sujeito a um conjunto de regras a respeitar no decurso dos processos negociais.

Esta Lei nº 23/98, de 26 de Maio, corresponde ao quadro legal nacional que dá corpo às normas constantes na Convenção nº 151, de 27 de Junho de 1978, da Organização Internacional do Trabalho, relativa à Protecção do Direito de Organização e aos Processos de Fixação das Condições de Trabalho na Função Pública, ratificada, em Portugal, pela Lei nº 17/80, de 15 de Junho.

Ao longo de todo o processo de revisão do ECD, o Ministério da Educação/Governo procedeu, por diversas vezes, de forma que contraria a referida Convenção Internacional, bem como a Lei que estabelece mecanismos negociais específicos para Portugal. Por exemplo, o calendário negocial, decidido unilateralmente pelo Ministério da Educação/Governo, era de tal ordem exíguo (tendo, também por essa razão, sido contestado pelas organizações sindicais) que impediu o recurso aos mais amplos processos, designadamente de auscultação dos docentes e de apresentação de contrapropostas negociais sobre todas as matérias. Realizaram-se reuniões em que apenas no início dos trabalhos os Sindicatos foram confrontados com novos documentos que estariam em discussão na própria reunião. Nos dias 5 e 6 de Setembro de 2006, a atitude do Ministério da Educação foi ainda mais grave, pois a discussão teve lugar sem que tivesse sido apresentado qualquer novo documento, o que veio a acontecer, apenas, no final dos trabalhos! Salvo melhor opinião, senhor Director Geral, estamos perante uma clara violação do disposto no Artigo 7º, da Convenção nº 151 da OIT.

Também o disposto no Artigo 8º da Convenção nº 151 da OIT, referente à Resolução de Conflitos, foi desrespeitado. Estabelecendo aquele artigo a necessidade de, perante um conflito, recorrer-se a um processo que dê garantias de independência e imparcialidade, a Senhora Ministra da Educação anunciou, em Conferência de Imprensa realizada em 1 de Novembro de 2006, que, no caso de os Sindicatos solicitarem a “negociação suplementar” (o que veio a acontecer no dia 5 desse mês), esta teria lugar (nos termos da lei portuguesa, quando solicitada, é de carácter obrigatório), no entanto, acrescentou, o texto a apresentar a Conselho de Ministros já se encontrava fixado. Veio a confirmar-se, no final da negociação suplementar, que todas as questões essenciais, que inviabilizaram a existência de um acordo negocial com o Governo, se mantiveram inalteradas, apesar de terem ocorrido duas reuniões de carácter suplementar.

Pelas razões referidas, as 14 organizações sindicais de docentes abaixo subscritoras – que se organizaram em Plataforma Sindical – na qualidade de parte envolvida na negociação, decidiram apresentar Queixa contra o Governo Português pelos procedimentos que adoptou neste processo de revisão do Estatuto da Carreira Docente e apelar à intervenção de Vª Exª no sentido da sua correcção, ainda que tal obrigue ao reinício de todo o processo de revisão.

 

PROCEDIMENTOS DO M.E. ATENTATÓRIOS DA LEGISLAÇÃO E DE PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE NEGOCIAÇÃO

  1. Calendário e prazo das negociações

De acordo com o Artigo 7º, número 5, da Lei nº 23/98, de 26 de Maio, “as negociações sectoriais iniciam-se em qualquer altura do ano e têm a duração que for acordada entre as partes (.)”. No que respeita à revisão do E.C.D., esta disposição legal não foi cumprida, pois o M.E. impôs, unilateralmente, o calendário das negociações, como se comprova pelo ofício/mail que as organizações sindicais receberam em 31 de Julho de 2006 (Anexo 1), através do qual lhes é dado conhecimento daquele calendário. Diversas organizações sindicais protestaram por esta ilegalidade.

  1. Publicidade enganosa e paga pelo erário público

Em 14 de Outubro de 2006 (sábado), dois jornais diários de expressão nacional (“Público” e “Jornal de Notícias”) ocuparam as suas páginas centrais com publicidade paga pelo Ministério da Educação (Anexo 2). Esta despesa, nunca inferior a 10.000 euros por jornal, foi efectuada para propagandear posições ministeriais atinentes ao processo de revisão do E.C.D., com a agravante de alguns dos alegados esclarecimentos não corresponderem à verdade, mas a uma grosseira tentativa de manipular a opinião pública contra os professores e educadores. Não existindo qualquer lei que seja impeditiva deste procedimento, o teor do texto ministerial, por não corresponder à verdade, assume-se como destituído de sentido ético.

  1. Pressões ilegítimas sobre as organizações sindicais

Em 19 de Outubro de 2006, o Ministério da Educação entregou à Plataforma Sindical de Professores um documento designado “IV Proposta do Ministério da Educação – Resposta às contrapropostas da Plataforma Sindical” (Anexo 3). Na página 2 desse documento o ME refere que se trata “de uma proposta condicionada à obtenção de um compromisso que, pondo termo à conflitualidade que nas últimas semanas se tem desenvolvido e criando um clima de serenidade, possibilite a sua efectiva aplicação nas escolas“. A confirmar esta posição, o ME termina o seu documento referindo “São estas as propostas que o Ministério da Educação está disposto a concretizar no caso de obter da Plataforma Sindical um compromisso que proporcione um clima de serenidade“. É inédita e reprovável esta posição “negocial” do ME que condiciona a assunção de uma proposta que apresenta ao compromisso dos Sindicatos de contrariarem a sua própria natureza de representantes dos interesses e dos direitos dos trabalhadores, no caso, dos professores e educadores.

  1. Ameaça sobre os Sindicatos e os seus dirigentes

Face à não aceitação pela Plataforma Sindical, em 19 de Outubro, do compromisso que o ME pretendia que esta assumisse, o Secretário de Estado Adjunto e da Educação, em Conferência de Imprensa que promoveu nessa mesma tarde, afirmou “Ou [os sindicatos] não querem parar de tentar afundar o barco, correndo o risco de serem os primeiros a afogar-se, ou entram no barco connosco“. Esta ameaça foi proferida em Conferência de Imprensa (Anexo 4) em que as ameaças foram, ainda, outras: “Se os sindicatos mantiverem o clima de contestação e luta, terão de explicar aos colegas porque não há extinção dos QZP e porque não há mais vagas para professor titular“, ou “Um ultimato seria dizer aos sindicatos que exigimos a assinatura de um acordo [sobre o ECD]. Admitimos que não o façam, não admitimos que mantenham a contestação no tom actual“.

Inadmissível, do ponto de vista democrático, é o tom de ameaça presente nas declarações deste membro do Governo!

  1. Ministério da Educação promove mentira em comunicado oficial

O ME emitiu, no sábado dia 28 de Outubro, um comunicado sobre a sua posição negocial relativa a interrupções de actividade docente (Artigos 91º, 92º e 93º do ECD em vigor). Deve-se, tal comunicado, ao facto de a comunicação social ter destacado que o projecto ministerial, entregue aos Sindicatos em 25 de Outubro, e longamente discutido em 27, consagrar a revogação do actual Artigo 91º (Anexo 5). Perante o coro de protestos que logo surgiu, o ME veio desmentir a notícia (Anexo 6) afirmando, não só, que tal artigo se mantinha, como apresentando uma formulação que disse ser textual. Além desta mentira, procurou confundir, no seu comunicado, “interrupções de actividadedocente” com “interrupções de actividade lectiva“, estas sim, sem qualquer sentido de figurarem no ECD. A Plataforma Sindical foi obrigada, no mesmo dia, através de comunicado (Anexo 7), a esclarecer a opinião pública sobre a mentira posta a circular pelo designado “Gabinete do Ministério da Educação”.

  1. Senhora Ministra da Educação pôs em causa processo de negociação suplementar

A Plataforma Sindical dos Professores decidiu solicitar, nos termos da Lei 23/98, de 26 de Maio, a negociação suplementar do processo de revisão do Estatuto da Carreira Docente.

Nos termos da referida Lei, esta negociação suplementar poderá abrir-se, a pedido das organizações, “para resolução de conflitos” que persistam após terminado o período de negociação (Artigo 9º, ponto 1). Este pedido terá de ser apresentado “no final da última reunião negocial ou, por escrito, no prazo de cinco dias úteis” (ponto 2 do mesmo artigo).

A negociação suplementar, se for solicitada, é obrigatória e a sua duração poderá chegar aos 15 dias, não se encontrando estabelecido qualquer limite ao número de reuniões a realizar (ponto 3). Refere, ainda, este Artigo 9º no seu ponto 4, que a negociação suplementar será obrigatoriamente presidida pelo membro do Governo responsável pelo sector.

Apesar das organizações sindicais terem tornado pública a intenção de solicitarem a negociação suplementar, a senhora Ministra da Educação informou publicamente, em Conferência de Imprensa que promoveu em 1 de Novembro, que “o diploma está pronto para ir a Conselho de Ministros” (Anexo 8).

  1. Ministério da Educação levou a Conselho de Ministros versão que as organizações sindicais desconheciam

As organizações sindicais de docentes solicitaram ao Ministério da Educação que lhes fosse enviado o texto final de ECD que seria apresentado em Conselho de Ministros para aprovação. As organizações sindicais solicitaram esse documento porque os seus gabinetes jurídicos, bem como outros juristas a quem solicitaram apoio, iriam preparar pareceres sobre aspectos de duvidosa legalidade, e mesmo constitucionalidade, para apresentação a Sua Excelência o Senhor Presidente da República e aos Grupos Parlamentares. Os responsáveis ministeriais assumiram esse compromisso e no dia 22 de Novembro, pelas 21.30 horas, fizeram chegar aos Sindicatos de Professores a versão que, presumivelmente, seria apresentada na reunião de Conselho de Ministros que teria lugar no dia seguinte (23 de Novembro).

Lida essa última versão, as organizações sindicais detectaram duas diferenças relevantes entre compromissos assumidos pelo ME e o teor da versão recebida. Desse facto, algumas organizações sindicais [a FENPROF (Anexo 9), a FNE (Anexo 10) e a ASPL (Anexo 11) protestaram junto do Ministério da Educação e solicitaram informação sobre a matéria, tendo recebido a resposta que também se junta (Anexo 12). Pela resposta recebida infere-se que, afinal, a presumível última versão enviada às organizações sindicais não corresponderá à que, efectivamente, foi apresentada e aprovada em Conselho de Ministros, o que prejudica a qualidade da intervenção jurídica pretendida, podendo impedir o exercício de um direito inalienável das organizações sindicais.

  1. Postura anti-negocial global do Ministério da Educação

Ao longo de todo o processo de revisão do ECD, houve matérias que se mantiveram inalteráveis desde a primeira versão apresentada pelo Ministério da Educação. De facto, os aspectos essenciais, que definem o ingresso, a estrutura e o acesso na carreira, a tipologia dos quadros ou os horários de trabalho não mereceram qualquer tipo de alteração, relevando, de entre todos, a existência de uma prova para ingresso na carreira, a divisão da carreira em duas categorias, a existência de quotas para atribuições das classificações de “Excelente” e “Muito Bom” e a existência de uma dotação de vagas na designada categoria de professor titular.

Esta atitude inflexível e inamovível do Ministério da Educação, que se manteve apesar das contrapropostas apresentadas pelas organizações sindicais, individualmente e em Plataforma Sindical, contraria o espírito e a própria letra da lei sobre negociação colectiva, pois impediu que se chegasse a qualquer tipo de acordo, ainda que parcial. Ou seja, sob a aparente capa de um processo de negociação, o Ministério da Educação limitou-se a impor soluções que não foram sufragadas por nenhuma organização sindical. Este comportamento é claramente contrário à negociação.

Lisboa, 28 de Dezembro de 2006

As Organizações Subscritoras:

FENPROF – Federação Nacional dos Professores

FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação

SPLIU – Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades

SNPL – Sindicato Nacional dos Professores Licenciados

SEPLEU – Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de Educação e Universidades

FENEI – Federação Nacional do Ensino e Investigação

ASPL – Associação Sindical de Professores Licenciados

PRÓ-ORDEM – Associação Sindical dos Professores Pró-Ordem

FEPECI – Federação Portuguesa dos Profissionais da Educação, Ensino, Cultura e Investigação

SIPPEB – Sindicato dos Professores do Pré-Escolar e do Ensino Básico

SIPE – Sindicato Independente dos Professores e Educadores

USPROF – União Sindical dos Professores

SINPROFE – Sindicato Nacional dos Professores e Educadores

SNPES – Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Secundário

Pel’A Plataforma Sindical dos Professores e Educadores
Paulo Sucena
(Porta-Voz)

 

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