“É mau que o senhor PM mantenha esta sua atitude de permanente confrontação com os professores, insistindo na sua desvalorização perante a opinião pública”, sublinhou Mário Nogueira na conferência de imprensa que o Secretariado Nacional da FENPROF realizou no passado dia 5 de Setembro (sexta-feira), em Coimbra. No diálogo com os jornalistas, o dirigente sindical abordou um conjunto de matérias de viva actualidade neste arranque do ano lectivo 2008/2009.
“Neste ano lectivo que agora começa, a FENPROF irá apostar em várias frentes, mas uma delas será, sem dúvida, o ECD e a sua revisão global. Pomos à cabeça as questões da avaliação do desempenho dos professores (até porque é uma matéria mais imediata), mas também outros aspectos como a própria fractura da carreira e a não contagem integral do tempo de serviço. Sobre a avaliação do desempenho, a FENPROF calendarizou o trabalho de elaboração e apresentação de uma proposta, de um projecto alternativo ao documento que está em vigor”, destacou Mário Nogueira. / JPO
2009
um ano com características especiais
Este Secretariado Nacional teve como objectivo prosseguir o balanço do ano lectivo anterior e, principalmente, preparar a intervenção da FENPROF e a acção dos educadores e professores no arranque deste novo ano escolar. Um ano com características e especificidades que decorrem do facto de ser um ano eleitoral: este ano escolar termina em Agosto de 2009, pelo que, em boa parte, coincidirá com o calendário pré-eleitoral; isto não quer dizer que se transforme num ano mais fácil ou que o Governo vá ceder em tudo, não é nada disso, mas repito: é um ano eleitoral, em que poderão surgir algumas “fragilidades” que nós procuraremos aproveitar.
Temos consciência que algumas situações mais complexas também poderão surgir, tendo em conta o próprio contexto eleitoral, mas será, pelo menos, e isso registamos, um ano diferente dos três anteriores da legislatura; pretendemos também explorar essas diferenças quando elas se traduzirem na possibilidade de serem introduzidas mudanças na política educativa desenvolvida por um Governo que é suportado numa maioria absoluta parlamentar que, ao longo destes três anos, foi insensível às propostas e às reivindicações dos professores. Quantas vezes ouvimos e registámos posicionamentos de desvalorização das acções dos professores, incluindo em relação à grande Marcha da Indignação?
“Facilitismos”?…
Começou mal o Governo no arranque deste ano escolar com uma primeira declaração sobre os professores, proferida pelo senhor Primeiro Ministro. Confrontado há dias pela comunicação social com os números do desemprego docente, publicamente conhecidos, que, aliás, não negou (como alertámos, temos 40 mil professores que ficaram por colocar), o senhor PM veio dizer que o Governo não tinha que contratar quem não precisa, ou seja que estes professores não seriam necessários ao sistema educativo, e que tinha acabado o tempo do “facilitismo”. Foi esta a expressão utilizada, penso que dirigida a um conjunto muito vasto de receptores, nomeadamente a governos anteriores; a conselhos executivos, que no passado, na opinião do senhor PM, teriam contratado professores que não eram necessários nas escolas; aos docentes que, também em sua opinião, trabalham pouco, logo seriam necessários muitos!… Ao não clarificar a que tipo de “facilitismo” se refere, todas as interpretações são possíveis exigindo-se de Sócrates que esclareça a que se refere.
É mau que o senhor PM mantenha esta sua atitude de permanente confrontação com os professores, insistindo na sua desvalorização perante a opinião pública.
Professores no desemprego:
porquê?
O que o senhor PM disse não é verdadeiro. Os 40 000 professores que ficaram por colocar, na sua grande maioria, fazem falta às escolas e ao sistema educativo. É importante que isto seja afirmado perante os portugueses. A FENPROF não defende que os empregos para os professores sejam criados, tendo por referência o número dos que existem, entre empregados e desempregados.
O que a FENPROF defende é que sejam criados os lugares que fazem falta às escolas e ao sistema educativo para que seja possível responder, com eficácia e qualidade, a todas as exigências, cada vez em maior número e mais complexas, que se colocam. Se assim for, o desemprego docente sofrerá uma tremenda redução, por razões que não são artificiais. Artificial, por ser deliberadamente criada, é a dimensão do desemprego docente. Do ponto de vista social, seria bom que todos os portugueses, professores ou não, tivessem emprego. Agora, nós, em relação aos números do desemprego docente, colocamos as questões num plano educativo, que tem a ver com o funcionamento das escolas.
O que é certo é que muitos dos professores ficaram de fora porque foram tomadas medidas deliberadas nesse sentido, para que sobrassem professores, no quadro de uma política economicista cega, que prejudica as escolas e a qualidade do ensino: foram aumentados os horários de trabalho dos docentes; foram alterados os conteúdos das componentes lectiva e não lectiva dos professores; retardaram (e de que forma) as aposentações; não foram tomadas medidas, indispensáveis às escolas, de redução do número máximo de alunos por turma (recordo que, por exemplo, no âmbito dos contratos de autonomia que algumas escolas já celebraram com o Ministério da Educação no ano passado, as propostas que iam no sentido da redução do número de alunos por turma foram todas rejeitadas pelo ME).
Há, por exemplo, projectos de combate ao abandono escolar que eram muito importantes até no contexto social em que as respectivas escolas estão inseridas e que hoje estão ameaçados, por carência de recursos humanos. O ME autoriza-os, mas adverte que não podem traduzir-se no aumento do número de professores.
Agência de desemprego?
Se, de facto, é verdade que o Ministério da Educação não deve ser uma agência de emprego, como a senhora ministra da Educação faz questão de recordar com frequência, também não aceitamos que o Ministério da Educação se transforme numa agência de desemprego com prejuízo para as escolas e para estes milhares de jovens que ficam desempregados, situação que se tem agravado nos últimos anos.
O foguetório do Governo…
Neste início de ano lectivo, é natural que o senhor PM pretendesse que o País se transformasse, ou que as escolas se transformassem numa festa permanente em que os governantes seriam os mordomos, com grande cobertura mediática; agora o que não pode contar é que aqueles (é o nosso caso, FENPROF) que têm legítimas críticas a fazer às políticas educativas deixassem de as fazer e se limitassem a aplaudir o lançamento dos foguetes… Não é isso, seguramente, o que iremos fazer. Quando tivermos que saudar uma medida não hesitaremos em fazê-lo (infelizmente não temos tido muitas oportunidades para o fazer…). Quando tivermos que criticar e alertar os professores e a sociedade para o que é negativo, também não hesitaremos!
Orçamento insuficiente
Sem entrar em grandes pormenores, porque precisamos de ter informação mais rigorosa só possível quando se conhecer a proposta de lei do OE para 2009, a verdade é que não podemos deixar de chamar a atenção para a realidade quando o Governo vem dizer que vai investir no próximo ano, como nunca, na área da Educação. Um investimento que, segundo tem sido anunciado, se reflectirá em cerca de 3,5% de aumento das verbas para a Educação em Orçamento de Estado (OE). Se assim for, mesmo sem conhecermos a distribuição pelas várias rubricas, podemos afirmar que estamos perante um aumento muito insuficiente… Deduza-se a perda que resulta do valor da inflação e estaremos a falar de qualquer coisa como um aumento real de 0,5… Nos últimos 6 anos (de 2002, último governo do PS, a 2008, o actual) a redução real de verbas na Educação foi de 22,2%.
Recorde-se, entretanto, que o OE para a Educação no ano em curso atingiu o valor mais baixo, relativamente ao PIB (Produto Interno Bruto), das últimas décadas. Só para termos uma referência, basta lembrar que em 2002, era então ministro da Educação o Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, as verbas para a Educação atingiram os 5,6 por cento do PIB (estamos a falar de mais de sete mil e duzentos milhões de euros). Este ano, as verbas para a Educação são apenas de cinco mil, novecentos e oitenta e quatro milhões; há uma redução em valor absoluto, e representam apenas 3,5 por cento do PIB.
Um aumento de 3,5 por cento é melhor do que repetir o “aumento zero” de 2007 para 2008, mas a verdade é que fica muito aquém das necessidades… Um reforço real, no orçamento, de meio por cento não justifica o foguetório e talvez até justifique, isso sim, uma justificação atendível ao país…
Acção social escolar
Outro aspecto a ter em conta é a campanha que o actual Governo já começou a lançar a propósito do reforço da acção social escolar, abrangendo mais do dobro dos alunos apoiados no ano anterior (passando de quase 300 mil para 700 mil), o que poderá corresponder à verdade. Contudo, não basta falar nos números, nos milhões, em bruto.
É preciso saber o que significa, para as famílias, nos apoios concretos, o que foi anunciado. Indo aí, a situação é bem mais negra, pois, por exemplo, os alunos que vão ser abrangidos pelo 1º escalão, que na prática têm os apoios mais elevados (refeições, manuais, etc) são aqueles cuja família tem uma capitação de 135 euros; estou a falar de 27 contos. São os que vivem abaixo do limiar da pobreza. O que é preocupante é que haja tantos portugueses nesta situação. Mal seria que estes alunos não tivessem direito a estar no escalão A no âmbito da acção social escolar!…
Mas, repare-se também neste exemplo: numa família com dois salários mínimos (pai e mãe trabalham e cada um ganha o salário mínimo), o aluno passa logo para o escalão “C” – não tem apoio para refeições, nem para manuais ou material de apoio…
Segundo a Constituição da República Portuguesa, na realização de política de ensino, incumbe ao Estado assegurar o ensino básico, universal e gratuito (artigo 74º). Estamos ainda muito longe de dar resposta a este preceito constitucional, pois, ao contrário do que a propaganda quer fazer passar, de acordo com os dados oficiais do INE, a Educação foi, na actual Legislatura, o produto cujo custo mais se agravou, atingindo os 16%.
Política do Prémio
Vamos ter no próximo dia 12 a entrega de prémios a alunos nas escolas secundárias (dois por estabelecimento de ensino) no valor de quinhentos euros, ou seja, uma despesa de mil euros por escola secundária (200 contos). Nós gostaríamos que o ME investisse nas escolas secundárias e em todas as outras, na criação de melhores condições para que alunos, professores e funcionários pudessem desempenhar da melhor forma as suas tarefas; no caso das crianças e jovens, para que todas tivessem condições e oportunidades idênticas para terem sucesso escolar e educativo. Isto é que seria importante que acontecesse. Com 200 contos não seria possível alcançar esse objectivo, mas é possível montar alguns teatros mediáticos, em que aparecerão certamente os senhores ministros, o senhor Primeiro Ministro, a senhora ministra da Educação, os senhores secretários de Estado, talvez alguns autarcas também, a distinguir o melhor aluno, fazendo esquecer a realidade…
Esta política do Prémio, saindo barata, tem algum impacto na opinião pública, dá projecção aos governantes, todavia, não resolve nenhum dos problemas principais da Educação. Ainda mais em ano de eleições, a preocupação do Governo parece ser mesmo a de reforçar posições recorrendo à propaganda.
Plano Tecnológico
A FENPROF saúda, como sempre fez, todas as iniciativas que possam contribuir para que se melhorem as condições de trabalho (computadores, quadros interactivos, etc). Temos tido até campanhas de exigência da melhoria dos instrumentos de trabalho nas escolas.
Entretanto, não podemos deixar de alertar para as condições em que se trabalha hoje nas escolas portuguesas, para o ambiente criado pelas erradas políticas do ME, para a falta de professores que possam assegurar o desenvolvimento de todos os projectos que a escola gostaria de promover.
A alteração dessa situação não resulta apenas do reforço dos meios tecnológicos. É necessário investir, e isso não tem acontecido, no factor humano, nos professores, que têm sido desvalorizados, particularmente através de um Estatuto da Carreira Docente que atirou para o interior da escola e da profissão graves focos de instabilidade, criando piores condições para o exercício profissional da docência, ao dividir a carreira dos professores em categorias; ao impor sobrecargas, por vezes ilegais, no horário de trabalho dos docentes; quando veio introduzir uma absurda prova de ingresso na profissão; quando veio atrasar a possibilidade de aposentação dos professores; quando não permitiu a recuperação do tempo de serviço roubado a toda a Administração Pública em 2,5 anos; quando impôs um burocrático, absurdo e penalizador regime de avaliação do desempenho…
Avaliação do Desempenho
Neste ano lectivo que agora começa, a FENPROF irá apostar em várias frentes, mas uma delas será, sem dúvida, o ECD e a sua revisão global. Pomos à cabeça as questões da avaliação do desempenho dos professores (até porque é uma matéria mais imediata), mas também outros aspectos como a própria fractura da carreira e a não contagem integral do tempo de serviço. Sobre a avaliação do desempenho, a FENPROF calendarizou o trabalho de elaboração e apresentação de uma proposta, de um projecto alternativo ao documento que está em vigor.
Em Abril passado, no âmbito do memorando de entendimento que os sindicatos assinaram com o ME, ficou estabelecido que no final deste ano lectivo haverá a negociação de um novo modelo de avaliação do desempenho e nós queremos chegar a esse momento com um projecto construído pelos professores, que não seja apenas um projecto elaborado internamente pela FENPROF, mas sim uma tomada de posição que envolva o maior número possível de professores e educadores, a que se chegue na sequência de um amplo, profundo e representativo debate nas escolas.
A FENPROF fará a apresentação dessa proposta no dia 8 de Outubro, numa iniciativa nacional a realizar no âmbito das comemorações do Dia Mundial do Professor (5 de Outubro). Ainda neste primeiro período lectivo, essa proposta chegará a todas as escolas do país. Em Dezembro, numa Conferência Nacional que decorrerá no dia 5, a FENPROF irá aprovar esse modelo, que colocará como alternativo ao do ME, que depois, no final do ano, será defendido em sede negocial e pelo qual lutaremos, para alterar aquilo que está em vigor. Este é, como se sabe, um dos aspectos muito contestados do ECD.
Gestão: Parecer de prestigiado constitucionalista
confirma ilegalidades do Decreto do ME
No âmbito da gestão escolar, que é outra área fundamental, há uma informação que podemos deixar aqui em primeira mão: recebemos a apreciação (solicitada no final do ano lectivo passado) de um prestigiado constitucionalista, antigo juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, à legalidade do Decreto Lei da Gestão que entrou em vigor neste ano (Dec.Lei nº 75/2008), que introduz na escola a figura do “director”. Segundo a apreciação do Dr. Guilherme da Fonseca, há sete artigos que contêm normas ilegais e por isso deve a FENPROF requerer às entidades que podem dirigir-se ao Tribunal Constitucional que tomem essa iniciativa para que este fiscalize a legalidade ou ilegalidade dessas normas. Nesse sentido, a FENPROF contactará a Assembleia da República e a Provedora de Justiça.
Recorde-se que a FENPROF entregou na AR, no final do ano lectivo anterior, uma petição, exactamente no sentido da alteração desse Decreto da gestão; na altura, informámos o senhor Presidente da Assembleia que iríamos solicitar aquele parecer.
Além do combate político-sindical que temos dado a este modelo de Gestão imposto pelo Governo, temos aqui uma nova frente que se abre, uma luta também no plano jurídico, que acompanharemos com todo o rigor.
Ao contrário do que pretenderia o ME, mais de 300 escolas e agrupamentos não constituíram, no prazo inicialmente definido, os Conselhos Gerais Transitórios, primeiro procedimento que as escolas teriam de desenvolver no quadro da implementação do novo modelo. Essa eleição terá que ocorrer agora em Setembro. A FENPROF continuará a acompanhar e a apoiar essas escolas e todas as outras que já constituíram o CGT.
Licença de maternidade
Os resultados dos concursos anunciados são conhecidos de todos, já não são novidade. Mas em relação à questão da contratação, fica já aqui a nota de que iremos apresentar queixa à Assembleia da República e à sua comissão específica para a Administração Pública, pela situação criada a professoras que se encontram em licença de maternidade, e a quem foi imposto, nas escolas em que se apresentaram, que só poderiam celebrar o contrato relativo à colocação agora anunciada se prescindissem da licença de maternidade a que constitucionalmente têm direito. Isto tem a ver com uma circular do Ministério das Finanças, publicada no passado dia 6 de Fevereiro. A situação é inaceitável no plano dos direitos e incorre numa grosseira inconstitucionalidade. Para além disso cria situações diferenciadas, pois se a docente estiver em pleno gozo da licença terá de abdicar da mesma para poder celebrar contrato, porém se já o tiver feito, poderá entrar em licença de maternidade no dia seguinte sem qualquer penalização… Não tem qualquer sentido.