Em defesa da nossa dignidade profissional, manifesto a mais profunda indignação pelo modo insultuoso, desrespeitador e injusto como o Sr. Primeiro-Ministro, aquando da sua intervenção no Debate Mensal na Assembleia da República sobre a situação orçamental do País, se referiu ao trabalho de milhares de professores com horário zero ou dispensados de serviço docente no ano de aposentação, afirmando que estes recebiam o seu vencimento sem prestarem efectivo serviço público.
Perante afirmação tão grave, só desculpável com o total desconhecimento do que é a realidade do nosso Sistema de Ensino e do exercício da função docente, uma vez que confunde serviço docente com actividade lectiva, como sindicalista, sinto o direito e o dever de, perante a sociedade, corrigir tal desinformação, afirmando que, em qualquer das situações referidas, os professores estão ao serviço da Escola, exercendo múltiplas actividades nos apoios educativos, substituições, clubes escolares, biblioteca, produção e organização de documentação pedagógica, além do seu envolvimento em outros projectos de natureza diversa, e que, nestas circunstâncias, o seu horário de zero só tem o nome, porque cumprem 35 horas semanais.
O desgaste físico e psicológico do professor
Os professores estão hoje a viver, mais do que nunca, as injustiças daqueles que, em determinados momentos, enaltecem a nobre mas difícil tarefa de educar, exaltando a Educação como a alavanca fundamental do desenvolvimento, para, depois, desprezarem e desqualificarem o seu trabalho, situando-o ao nível do desempenho burocrático.
É mais que reconhecido e comprovado, no plano da Saúde, o desgaste psicológico da profissão docente. Não se compreende como é que o Governo, que defende a inovação, a aposta nas tecnologias e a produtividade do país, prefere pagar o subsídio de desemprego aos milhares de jovens professores, que estão no auge da sua capacidade de trabalho, para manter no activo um grupo de docentes, com mais de 36 anos de serviço, na sua maioria desencantados, desmotivados e frustrados nas suas expectativas, face às alterações repentinas das condições de aposentação na ponta final da sua carreira, os quais, em última instância, mais não farão do que, resignadamente, deixar que o tempo passe, até que o infortúnio os retire do seu posto de trabalho.
A ideia errada das progressões automáticas dos professores
O recurso à mistificação da progressão automática aplicada aos professores, tem sido outra das ?pedras de arremesso? utilizadas com o propósito declarado de denegrir a imagem da classe e abrir caminho à necessidade da revisão do seu Estatuto de Carreira. É da mais elementar justiça referir que não há docente que progrida na carreira sem se sujeitar à elaboração de um relatório crítico do desempenho da sua actividade, objecto de avaliação, e à frequência, com aproveitamento, das acções de formação consideradas necessárias pelo Sistema. Existem vários docentes que, por não cumprirem estes requisitos, não progrediram na sua carreira, não beneficiaram da dita ?progressão automática?, que, agora, dizem todos beneficiar.
Depois de uma vida de árduo trabalho e, para muitos, de autêntico sacerdócio, ao serviço da Educação e do Ensino neste país, a recompensa que o Governo encontra para os docentes, em final de carreira, é a sobrecarga de cargos e outras funções de coordenação e direcção a acrescer à sua actividade lectiva, sem qualquer redução de tempo para o efeito. É este o presente que nos querem dar após muitos anos de trabalho, que, por ser tão bom, muitos docentes preferem abdicar dele em favor da actividade lectiva, pelo facto de reconhecerem que o tempo presentemente atribuído para o desempenho de tais cargos e funções é manifestamente insuficiente para a sua concretização, tendo em conta a crescente burocracia e exigências dos mesmos.
Que qualidade nas funções pedagógicas?
Há pensamentos que, no plano teórico, podem parecer aceitáveis, mas que, no plano prático, são, de todo, indesejáveis, porque os seus efeitos são mais perniciosos do que benéficos. Imagine-se, porventura, que todos os cargos passariam a ser atribuídos aos docentes mais antigos e que os mais novos tinham de cumprir rigorosamente as 22 horas lectivas semanais. Pense-se naquelas disciplinas que só têm um bloco por semana, o equivalente a 2 tempos lectivos. Sabem quantas turmas teria de ter um professor, nestas circunstâncias, para cumprir o seu horário? Sabem quantos alunos ficariam atribuídos a esse professor? Pois seriam 11 turmas e cerca de 275 alunos. Que pedagogia diferenciada se lhes pode exigir quando, provavelmente, nem o seu nome saberão até ao fim do ano ? Que modelos de avaliação poderão ser aplicados com este número de alunos? Que trabalho de articulação curricular poderá desenvolver-se nestas circunstâncias?
Com as medidas anunciadas, em nome do défice e de uma pseudo-justiça, que só servem para desculpar os erros da Governação e da acção política, concluímos que o lema inovador deste Governo é: ?quanto mais velho mais trabalho e quanto mais novo menores oportunidades. Viva o desemprego !?, ao serviço da recuperação económica.
Armando Dutra