É com enorme preocupação e perplexidade que, como membro da direcção do Sindicato dos Professores da Região Açores, assisto, por parte da Secretaria Regional da Educação e Ciência, a regulamentação de matérias relevantes do Estatuto da Carreira Docente, no âmbito da componente lectiva e não lectiva, que subverte o espírito e os princípios consagrados nos seus artigos, com propósitos marcadamente economicistas, sem que haja a menor preocupação de ouvir os docentes, nem de negociar com as suas estruturas representativas – os Sindicatos – contrariando, assim, o princípio da democracia participativa que a Constituição da República Portuguesa proclama.
A contestação ao Despacho Normativo nº 48/2005, de 11 de Setembro, faz-se não apenas pelo seu conteúdo, mas também pela falta de oportunidade desta regulamentação, que ocorreu extemporaneamente, quando a preparação do ano escolar já estava em curso, baseada na legislação então vigente, obrigando os Conselhos Executivos, através de ordens e contra-ordens, a reformular, à última da hora, os horários dos docentes, de modo a ajustá-los, quanto possível, ao novo diploma.
Agravamento da componente lectiva
A engenharia de cálculos horários que este normativo encerra, sem qualquer paralelo no Continente e na Região Autónoma da Madeira, ao converter as 22 horas lectivas em minutos, para depois dividi-las em segmentos de 45 minutos, agravou substancialmente a componente lectiva dos docentes que, em vez dos 22 segmentos lectivos que tinham anteriormente, passam agora a ter 29 segmentos para actividades lectivas e para-lectivas, porque o tempo destinado aos intervalos, necessário à mudança de salas de aula, ao transporte de livros de ponto e busca de materiais pedagógicos na reprografia, foi, para espanto e indignação de todos, suprimido do tempo lectivo, situação sui generis no país. Como a estes 29 segmentos ainda se acrescem mais 4 horas para actividades técnico-pedagógicas e mais duas para reuniões, isto significa que ao professor não lhe sobra tempo para a necessária preparação das aulas e correcção de trabalhos e testes, sejam eles formativos ou sumativos.
Este agravamento da componente lectiva, contrariamente ao que se quer fazer crer, não visa dar mais apoios aos alunos, porque estes apoios já estavam contemplados em legislação anterior, tem, isso sim, um objectivo muito claro que é o de fazer com que as funções de apoio educativo e substituições, que anteriormente davam “ganha pão” a mais alguns docentes, passem a ser desempenhadas pelos professores do quadro das Escolas, evitando, deste modo, algumas contratações que irão contribuir para engrossar a enorme lista dos 40.000 desempregados.
Com este despacho ganham as finanças mas perde a educação, porque ao aumentar a componente lectiva dos docentes e ao diminuir o tempo destinado ao seu trabalho individual, que passa a ser de apenas 7 horas ou menos por semana, consoante o número de reuniões que ocorram na Escola e que são muitas porque o trabalho está cada vez mais burocratizado, a qualidade da acção pedagógica tenderá a agravar-se. Isto porque o pouco tempo que têm para a preparação das aulas, pesquisa de informação e construção de materiais, levará a que estas sejam cada vez mais expositivas, as avaliações cada vez mais simplificadas e as respectivas correcções cada vez mais tardias.
Que tempo para trabalho individual?
Uma simples operação aritmética é suficiente para demonstrar que o tempo destinado ao trabalho individual dos docentes nem, ao menos, dá para a correcção dos testes. Um professor com 7 turmas, ou seja, com 175 alunos, ao fazer 2 testes por período, necessita de corrigir 350 provas, que, numa base mínima de 25 minutos para correcção de cada uma, perfaz um total de 146 horas, o equivalente a uma média de 12 horas por semana, isto sem contar com a sua elaboração ou correcção de quaisquer outros trabalhos, nem falar em preparação de aulas, onde cada vez mais se exigem pedagogias activas e diferenciadas.
Tendo em consideração que as 7 horas por semana, que o Sr. Secretário da Educação e Ciência atribui para o referido trabalho individual do professor, o único que não é marcado no horário, equivalem a 84 horas no período, se as subtrairmos às 146 horas que eram necessárias à mera correcção dos testes, concluímos que só para esta função o professor fica com um saldo negativo de 62 horas.
Degradação do trabalho pode por em causa a qualidade da acção pedagógica
Está assim demonstrado que a qualidade da acção pedagógica dos docentes pode realmente estar em causa e que não é justo avaliar o trabalho dos professores apenas pelo tempo que passam na Escola, porque tenho a certeza que se todos começarem a contabilizar o seu tempo a Educação é que irá perder. Não queiram que os profissionais da educação e ensino trabalhem com os nossos filhos como quem trabalha com matéria inerte, que se coloca de lado na secretária às 17 horas da tarde para se retomar no dia seguinte às 9 horas da manhã.
Discordo da visão redutora daqueles que querem fazer depender o aumento da eficácia do Sistema Educativo da “funcionalização” dos educadores e professores. Não obstante, se for essa a pretensão do Governo, há que criar nas escolas as condições mínimas necessárias para que possam desempenhar, com eficácia e dignidade, as 35 horas da função pública, de modo a realizarem não só todo o trabalho inerente à componente lectiva, mas também o respeitante à componente não lectiva, libertando, assim, os docentes da imensidão de preocupações e tarefas que transportam consigo para o espaço familiar, com todos os custos logísticos inerentes em matéria de equipamento e material.
Os Educadores e Professores são profissionais responsáveis e dedicados mas não são escravos do trabalho e das decisões solitárias e pouco reflectivas de quem tem responsabilidades políticas.
Armando Dutra