Há poucos dias, ouvi um porta-voz do Governo anunciar a criação de um Conselho Coordenador do Sistema Educativo, uma espécie de órgão de cúpula, com uma composição bastante alargada, o que, aos olhos da sociedade, pode ser interpretado como um gesto de vitalidade democrática, um sinal de que a política educativa regional não é produto, apenas, de uma mente iluminada, mas resultante de contributos vários dos agentes educativos e da sociedade civil que, através da criação de tal órgão, se pretendem, agora, institucionalizar.
Importa dizer que a construção e o aprofundamento da democracia não depende directamente do número de órgãos que se cria mas, sobretudo, do grau de participação e envolvimento dos que já existem, que não são poucos, do reconhecimento da sua legitimidade e da sua autonomia. Se há défice de participação dos professores, dos alunos, dos pais, das autarquias, dos parceiros sociais e das forças vivas da sociedade não é por falta de órgãos, basta, somente, que se criem as condições para que funcionem e, acima de tudo, haja, da parte do poder político, a vontade suficiente para os ouvir e a abertura necessária para acolher as suas propostas e sugestões.
Julgo que na Educação há órgãos suficientes para assegurar uma participação democrática, desde que se respeitem e promovam as competências das Assembleias de Escola, Conselhos Executivos, Conselhos Administrativos, Conselhos Pedagógicos, Departamentos Curriculares, Conselhos de Núcleo, Conselhos de Turma, Conselhos de Directores de Turma, Associações de Pais, Associações de Alunos, Conselhos Locais de Educação e demais estruturas representativas dos professores. O que é preciso é que eles não sejam ignorados, instrumentalizados, desiludidos ou subalternizados.
Em democracia os órgãos não servem para legitimar políticas mas para ajudar a construí-las. Infelizmente, continuamos a confrontar-nos com estilos de governação que de democracia só têm o nome. O mais recente exemplo foi o da portaria nº 92/2004, que anexa o Regulamento de Avaliação das Aprendizagens no Ensino Básico, um diploma de enorme relevância para a Educação, publicado unilateralmente, fazendo tábua rasa dos órgãos existentes nas escolas, exceptuando a diligência de obter o aval ?forçado? dos Conselhos Executivos, sem que estes tivessem o tempo necessário para analisar e debater o conteúdo deste diploma com os demais órgãos de administração e gestão e com as estruturas de orientação educativa das suas escolas, constituídos com igual legitimidade democrática.
Devo referir que, no plano nacional, o Ministério da Educação, neste mesmo contexto, publicou o despacho nº 1/2005 que, nalguns aspectos, reconheço, é ainda pior do que o diploma regional, só que o mal dos outros não serve para nosso consolo e muito menos deve servir para desculpa dos nossos erros. Não deixo, porém, de relevar o gesto de terem colocado o diploma em Consulta Pública salvaguardando, ao menos, a aparente formalidade do zelo democrático. Isto porque o que condenamos não é apenas o conteúdo das decisões, é, também, a forma como elas se processam, sem diálogo e sem respeito pelos órgãos instituídos, com a agravante de, não raras vezes, dizer-se uma coisa e fazer-se outra, o que faz desacreditar as pessoas e descredibilizar as instituições. Não podemos continuar a aceitar que a Secretaria da Educação, perante os parceiros sociais, não cumpra com aquilo que promete. No caso concreto deste diploma, o Sr. Secretário da Educação foi alertado para o défice de participação existente na sua construção, tendo afirmado que o mesmo só seria publicado em Janeiro, dando, assim, oportunidade aos Executivos de o apresentarem aos demais órgãos das escolas para apreciação quando, provavelmente, tendo em conta a data, já o teria mandado para publicação. Por mais boa vontade que haja, deste modo, não é possível trabalhar com seriedade e honestidade, no respeito pela ética democrática. Apetece-me perguntar, com esta visão e esta atitude, para que queremos mais órgãos?
Espero, sinceramente, que subjacente à institucionalização do referido órgão de cúpula, agora criado, não esteja a intenção de anular o papel e a acção dos órgãos de base das escolas, aqueles onde, verdadeiramente, se vivem e sentem os problemas, aqueles que, em contacto directo com a realidade, melhor que ninguém, estão em condições para dar contributos válidos para a construção de uma política educativa realista, não visionária, ajustada ao meio sócio-cultural que temos, para a qual as pessoas trabalhem por convicção e não por obrigação. O que nos preocupa não é a maior ou menor facilidade na obtenção dos diplomas ou dos graus académicos, preocupa-nos, isso sim, a formação das pessoas, a sua preparação para enfrentarem um mundo cada vez mais competitivo. Promover sucessos meramente administrativos é condenar gerações e, para isso, não contem com os professores.
Para além das questões levantadas, outras há que importa desenvolver em momento oportuno. Porém, não deixo de dizer que é uma aberração total publicar um diploma sobre a avaliação dos alunos, com efeitos imediatos, quando já estamos no início do segundo período do ano lectivo. Com que princípio, com que critério se alteram as regras do jogo a meio de um percurso? É o próprio diploma que diz, no seu artigo 7º, que no início do ano lectivo se devem definir os critérios de avaliação para cada ciclo e ano de escolaridade e, no nº 7, artigo 12, que a deliberação sobre a realização de provas globais ou trabalho final deverá obrigatoriamente ocorrer até ao final do primeiro período de cada ano lectivo. Estas incongruências traduzem tudo. Resta-nos a esperança de que o esforço do Sr. Ministro da República ao promover, nos próximos meses, um profundo e intenso debate sobre as questões da cidadania, contribua para fortalecer o espírito democrático, sobretudo dos que se dizem estar ao serviço da democracia, e abra caminho ao direito que os cidadãos têm de exerçê-la de modo livre, consciente e responsável.
Armando Dutra