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Municipalização – Até onde?

A FENPROF realizou no dia 8 de Junho, na Escola Superior de Educação de Lisboa, um Seminário subordinado ao tema “Municipalização, até onde?”

O Seminário, que reuniu educadores, professores e eleitos do Poder Local de vários pontos do País, terminou com a aprovação da Declaração que publicamos na íntegra, no fim deste breve apontamento.

A iniciativa decorreu em dois painéis de debate em torno da problemática da descentralização do sistema educativo e da transferência de competências para as autarquias locais.

No painel da manhã e após uma intervenção de abertura por Manuela Mendonça, do Secretariado Nacional, participaram dois convidados: António José Seguro (Presidente da Comissão Parlamentar de Educação) e Maria José Viseu (Presidente da CONFAP).

Durante a tarde o debate foi dinamizado por deputados do PS (Bravo Nico), PSD (Emídio Guerreiro), PCP (Miguel Tiago), CDS/PP (José Paulo Carvalho) BE (Cecília Honório) e PEV – “Os Verdes” (Francisco Madeira Lopes).

As comunicações de abertura e de encerramento foram da responsabilidade do Secretariado Nacional da FENPROF. No início dos trabalhos, Manuela Mendonça, dirigente do SPN, apresentou as posições da Federação sobre a matéria em reflexão. “Não está em causa o papel das autarquias no campo educativo – são as primeiras interessadas na criação de condições para o desenvolvimento de projectos educativos locais, potenciadores do sucoso de todos os alunos (observando o panorama nacional, é fácil constatar que há autarquias com um trabalho notável em muitas áreas…). Mas uma coisa é o reconhecimento do papel absolutamente essencial que o município, enquanto parceiro, tem de desempenhar no processo de construção de uma política de territorialização educativa, outra é a imposição de uma política de centralismo local, em que o município surge como o único legitimador do processo educativo”, concluiu Manuela Mendonça.

A encerrar, Mário Nogueira, Secretário-Geral da FENPROF, apresentou as conclusões deste oportuno debate que contribuíu para o aprofundamento da reflexão sobre um tema central da agenda política, em relação ao qual “temos razões de sobra para estarmos preocupados”.
“Este encontro da FENPROF foi um bom impulso ao debate que teremos de aprofundar sobre esta matéria da municipalização do ensino, nomeadamente através do conhecimento das experiências de outros países europeus”, afirmou Mário Nogueira na ponta final dos trabalhos do seminário. / JPO

Declaração do Seminário Municipalização, até onde?

A descentralização do sistema educativo, a transferência de competências para as autarquias locais, na área da educação, ou a municipalização deste importante domínio da vida do país e dos portugueses, não são matérias desconhecidas dos professores e da história da educação. A descentralização e a atribuição de mais competências aos municípios foram sempre defendidas pelos professores, pelo menos desde a Primeira República, período em que a constituição das Juntas Escolares foi entusiasticamente apoiada e participada. Na nossa história recente, as posições da FENPROF apontam igualmente nesse sentido, nomeadamente com as decisões da 1ª Conferência Nacional do Ensino Primário, em 1985, nas resoluções dos seus diversos congressos e com as propostas para a direcção e gestão das escolas ao defender-se a criação de Conselhos Locais de Educação.

Mas não é menos verdade que, também em todos aqueles momentos, os professores portugueses sempre recusaram que a tutela sobre as matérias relacionadas com o exercício da profissão docente fosse transferida para os municípios. As lutas da classe docente durante os anos vinte do século passado e, já com a FENPROF constituída e sob a sua liderança, no ano de 1985 deixaram bem clara a posição firme dos professores neste domínio. Em Novembro de 1983, o Orçamento de Estado previa que, no início do ano seguinte, fossem transferidas para as autarquias “todas as competências no respeitante à educação pré-escolar e ao ensino primário, incluindo os vencimentos e a acção disciplinar”. A reacção dos professores e a acção da FENPROF levou a que o célebre artigo 43º do OE fosse alterado na Assembleia da República. Em 1985, o Governo faz nova tentativa de impor este caminho que mereceu a realização de uma greve daqueles dois sectores de educação, com quase todos os estabelecimentos de ensino encerrados.

A atribuição crescente de responsabilidades às autarquias locais, na área da educação, sem a transferência dos meios adequados produziu resultados que os pais, os autarcas e os professores não desejam: a) o parque escolar do primeiro ciclo e da educação pré-escolar exige uma intervenção global no sentido da sua adaptabilidade às novas exigências e ao pensamento de ordem pedagógica e funcional, a par de uma constante manutenção dos edifícios e do equipamento; b) inúmeros estabelecimentos destes dois sectores de educação e ensino vivem numa penúria de recursos materiais e financeiros, que impossibilitam, muitas vezes, uma acção educativa de qualidade; c) os transportes escolares estão, em diversos casos, a ser feitos de forma desadequada relativamente aos horários das escolas e sem as mínimas condições de segurança e salubridade; d) um elevado número de escolas e jardins de infância não possui auxiliares da acção educativa ou está dotado de um número insuficiente; e) a acção social escolar, nomeadamente no 1º Ciclo do Ensino Básico, presta um apoio claramente insuficiente às crianças e famílias de fracos recursos.

Hoje, a municipalização da educação volta a estar na agenda política pela mão do Governo que, apesar de esta opção não constar no seu programa aprovado na Assembleia da República, nem na Lei 159/99, insistentemente afirma querer transferir para as autarquias todas as responsabilidades com pessoal docente e não docente, equipamento, organização e funcionamento da educação pré-escolar e dos nove anos do ensino básico, deixando ao ME apenas a regulação do sistema, “a tutela pedagógica” e a definição do currículo, a sua organização e desenvolvimento.

Uma vez mais o Governo conta com a oposição dos professores e educadores e com o desacordo dos municípios portugueses que, nos documentos preparatórios do seu próximo Congresso, não acolhem as suas propostas. Por outro lado, importa registar que a retórica política do ME, em torno da descentralização e autonomia das escolas, não é compaginável com o seu comportamento obsessivamente centralista que tudo dirige e regulamenta, recorrendo frequentemente às suas estruturas administrativas regionais – a tentativa de impor o encerramento de escolas à revelia das Cartas Educativas é um exemplo bem ilustrativo.

É neste contexto que o Seminário “Municipalização, até onde?”, promovido pela FENPROF, em Lisboa, a 8 de Junho de 2007 declara:

1. A descentralização do sistema educativo e da sua administração exigem a criação de Conselhos Locais de Educação, espaços de participação de toda a comunidade educativa e dos órgãos autárquicos, com efectivos poderes e meios para a gestão de importantes aspectos do sistema educativo;

2. O caminho da descentralização, que a FENPROF sempre defendeu, exige a aprovação de uma Lei sobre a autonomia e financiamento das escolas que transfira efectivos poderes para os órgãos próprios dos estabelecimentos de ensino, delimite claramente competências e estabeleça regras claras, universais e transparentes para o financiamento das escolas;

3. A transferência de algumas competências para as autarquias locais, no domínio da educação, deve sempre prosseguir o objectivo de melhorar a resposta da Escola Pública e ser acompanhada das condições financeiras adequadas à sua concretização;

4. É no quadro do Conselho Local de Educação que algumas das competências a transferir devem ser exercidas;

5. Recusar que a descentralização do sistema educativo possa ser um processo em que o ME e o Governo tentem desresponsabilizar-se do financiamento das escolas, passando para outros o odioso das dificuldades mas, continuando a concentrar as decisões relativas à organização das escolas – essas sim, assumidas localmente, podem induzir melhorias no sistema educativo e na qualidade das aprendizagens das crianças e jovens;

6. A completa rejeição da transferência de qualquer competência para os municípios relativa ao pessoal docente, designadamente o seu recrutamento, salários, carreiras, avaliação do desempenho, o exercício da acção disciplinar, ou qualquer outra tutela.

Lisboa 8 de Junho de 2007

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