Quarta-feira, Outubro 30, 2024
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“Este foi um importante acordo para os professores, mas a luta por uma escola pública democrática, inclusiva e onde se possa ensinar e aprender vai continuar”

 
 
 

JF – Depois de uma Legislatura em que a FENPROF acusou o Governo de negar princípios elementares da negociação, chegou a acordo com o ME sobre aspectos referentes à carreira docente. Confirma-se então que alguma coisa mudou, o que foi?

Mário Nogueira (MN) – Sobretudo o tipo de maioria em que o Governo do mesmo Primeiro-Ministro se suporta. Não foi a substituição da anterior equipa do ME que permitiu este acordo. A substituição foi natural, pois estávamos perante quem não era capaz de governar sem poder absoluto e de lidar com as regras da democracia. Foi, de facto, a perda de maioria absoluta, para que muito contribuiu a luta dos professores, que obrigou o Governo a mudar de atitude. Foi, por isso, a luta dos professores que permitiu que se dessem estes passos reconhecidamente importantes.

JF – Quer então dizer que não foi a postura da actual equipa ministerial que permitiu a negociação e o acordo?

MN – Seria injusto afirmar que a actual equipa ministerial se comportou como a anterior, pois, na verdade, houve negociação. Todavia, como todos sabemos, a decisão política nestas coisas é sempre do Governo e o que permitiu que, em alguns aspectos, se tivesse avançado foi a força que os professores deram aos seus Sindicatos e o que isso significou de fragilização do poder político. Houve um certo reequilíbrio de forças, que resultou de uma correlação diferente que se reflecte no Parlamento e repercute nestes processos. As grandes manifestações de professores e as suas extraordinárias greves, estiveram presentes em cada momento da negociação.

JF- Trata-se de um acordo global de princípios que contém aspectos que continuam a merecer a crítica da FENPROF. Porque foi assinado, então, o acordo?

MN – Porque os aspectos positivos pesam bastante mais do que os negativos.

JF – E que foram…

MN – … a efectiva eliminação da divisão da carreira e dos mecanismos que impediam que dois terços dos professores, cerca de cem mil, atingissem o topo da carreira ainda que fossem bons, ou até mais do que bons professores… em consequência, a garantia, decorrente dos mecanismos previstos, de que todos poderão chegar ao índice máximo em tempo útil, ou seja, antes de se poderem aposentar. A média cifrar-se-á em 34 anos de serviço. Mas, também: a dispensa de os docentes contratados se submeterem à prova de ingresso, a efectiva desvalorização dos efeitos da atribuição de classificações sujeitas a quotas, a fixação de um novo topo de carreira aberto a todos os docentes a partir de 2015 e, até lá, a garantia de que os que reúnam os requisitos para a aposentação a ele terão acesso, a garantia de uma regime transitório sem perdas e, em muitos casos, com ganhos… para além do que consta no texto que assinámos, foi ainda acordado, com registo em acta negocial, a realização de um novo concurso, já no próximo ano, com alteração de algumas das actuais regras.

JF-  Esse concurso era desejado por muitos docentes…

MN –  Sim, desde logo pelos colegas contratados que, face ao exíguo número de vagas do último concurso, não entraram nos quadros. Mas também para os colegas que eram titulares ou que eram apenas detentores de habilitação própria e não puderam concorrer, como para todos quantos pretendam mudar de escola, aproximando-se da sua área de residência.

JF – Mas vamos então ao acordo…Relativamente à estrutura da carreira quais os principais ganhos?

MN – O fim da divisão e de tudo quanto isso significava; o acesso ao topo por parte dos bons professores; a diluição dos efeitos das classificações sujeitas a quotas que, mantendo-se, porém, não significarão qualquer prejuízo para os professores classificados com Bom, pois nos dois momentos em que existem vagas, elas não serão ocupadas por quem foi avaliado acima de Bom.

JF – Vagas e quotas…

MN – Pois. Na verdade mantiveram-se as quotas na avaliação, mas também é verdade que nos deparámos com dois problemas. Por um lado, são mecanismos gerais da Administração Pública, por outro, foram estabelecidos através de leis da Assembleia da República, num primeiro momento, em 2004, pelo PSD, mais tarde, em 2006, confirmados pela maioria absoluta do PS. Assim, só novas leis da Assembleia poderão revogar estes mecanismos gerais. Pela nossa parte, penso termos feito o que podíamos, ao desvalorizarmos os efeitos das quotas. Já em relação às vagas, alterámos completamente a sua natureza. No estatuto ainda em vigor são de carácter eliminatório, no futuro serão reguladoras de fluxos de progressão, ou seja, apenas influirão nos ritmos de progressão sem impedir que ela aconteça.

JF – E quanto à avaliação de desempenho?

MN – Temos muitas preocupações com o modelo que transparece do texto e dissemo-lo à equipa ministerial e aos professores logo na conferência de imprensa que se seguiu. Não há uma ruptura com o modelo anterior, apesar de algumas alterações. Os ciclos de dois anos não contribuem para a tão falada e desejada tranquilidade das escolas; as cinco menções de avaliação com a agravante de algumas se sujeitarem a quotas serão motivo de conflito; depois, e esse não é uma aspecto menor, o facto de a gestão das escolas não se reger por regras democráticas é razão para que estejamos apreensivos: o director é quem preside ao conselho pedagógico, quem nomeia os coordenadores e indirectamente o relator, a organização da escola nem sempre respeita o desígnio pedagógico e tudo isso deve levar-nos a perceber que a alteração do actual modelo de gestão é, não só por este motivo, mas também por ele, fundamental.
Mas vamos ver como se fará a tradução legal destes princípios. Penso que ainda aí teremos espaço de manobra suficiente para melhorar o modelo…

JF – E o regime transitório?

MN – Estamos perante regras de elevada complexidade. Simples seria se os professores transitassem de acordo com o seu tempo de serviço integralmente contado. Mas não. Desde logo, temos o gravíssimo problema dos dois anos e meio que nos foram retirados. Trata-se, como no caso das quotas, de um problema geral da Administração Pública (AP), imposto por lei da Assembleia, pela maioria absoluta do PS. Portanto, estamos perante um problema que deverá ser combatido por todos os sectores da AP e que deverá merecer dos partidos políticos uma iniciativa parlamentar.
Como a FENPROF afirmou, estamos disponíveis para encontrar uma forma faseada de contar este tempo, mas não nos calaremos enquanto nos continuar a ser roubado.
Depois, há um conjunto de situações que terão de ser devidamente acauteladas na elaboração da legislação. O princípio da não ultrapassagem ficou acordado e agora é preciso sermos muito cautelosos no articulado legal.

JF- Segundo ouvimos na própria noite do acordo, não se encerrou qualquer processo negocial, apenas se inicia uma nova fase. Explica lá isso…

MN – É verdade. Este acordo de princípios terá agora de merecer tradução legal e, para além disso, há múltiplos aspectos que dele não fazem parte. Por isso, tal como estava previsto, iremos agora avançar para a negociação, por um lado, do texto legal, por outro de questões que são também muito importantes para os professores, de entre as quais destaco o problema dos horários de trabalho que são hoje verdadeiramente absurdos do ponto de vista pedagógico. A primeira reunião desta nova fase de negociações terá lugar no dia 20 de Janeiro.

O papel da Assembleia da República

JF – A Assembleia da República teria sido uma alternativa ao Governo para este processo de revisão do ECD. Não teria sido melhor?

MN – A Assembleia da República poderia ter sido essa alternativa, mas apenas num quadro de ruptura negocial. Em primeiro lugar, estamos perante matéria que é competência do governo, depois as coisas, às vezes, não são como parecem. Decerto ainda não esquecemos o que se passou com a suspensão do modelo de avaliação, nem temos estado distraídos perante posições publicamente assumidas por deputados da oposição que, por exemplo, criticam o facto de todos os bons professores chegarem ao topo da carreira… A Assembleia é um espaço muito importante para trabalharmos, mas não nos podemos deixar iludir…

JF – Mas poderá a Assembleia ainda intervir em alguns aspectos?

MN – Claro que poderá e deverá. Por exemplo, em relação às quotas e aos 2,5 anos como antes referi. Resultando de leis da Assembleia, compete aos partidos expurgá-las destes elementos tão nefastos. E existem iniciativas parlamentares que poderão ser tomadas e das quais resultarão medidas positivas para a carreira, entre elas, algumas alterações ao modelo de avaliação (afinal tudo decorre do SIADAP que é uma lei da Assembleia) ou a aprovação de mecanismos que permitam vincular os professores contratados com mais anos de serviço.

JF – Face a este acordo, a luta dos professores vai continuar?

MN – É claro que sim. Os professores lutam por uma Escola Pública de qualidade que é incompatível com a existência de profissionais em situação de instabilidade, com profissionais que não sejam devidamente dignificados e valorizados, mas também com um regime de gestão que não seja democrático, com um regime de educação especial que não promova a inclusão, com a possibilidade de municipalização do ensino, com um estatuto do aluno que é permissivo e que não contribui para que se reforce a autoridade dos professores, com más condições de trabalho nas escolas…enfim, são ainda inúmeros os motivos que justificam a continuação da luta dos professores.

FENPROF combativa

JF –
Podemos então contar com uma FENPROF que se manterá combativa?

MN – Claro que sim. Uma FENPROF que pretende continuar a marcar a agenda da Educação, uma FENPROF que pretende continuar a assumir as reivindicações dos professores, uma FENPROF que continuará a defender uma Escola Pública Democrática, Inclusiva, ao serviço de todos e onde se possa ensinar e aprender.

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