Sexta-feira, Dezembro 27, 2024
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“Currículo escolar – uma questão essencialmente política?”

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A sessão iniciou-se com António Lucas, presidente do SPRA que explicou os objetivos do ciclo de conferências proposto pela FENPROF. Referiu que o SPRA optou por discutir e analisar a questão dos Currículos uma vez que nos Açores mantém-se uma matriz curricular que não fez o empobrecimento do currículo verificado no continente.

 

A primeira oradora, Margarida Serpa, apresentou uma comunicação com o título “Currículo, políticas curriculares e avaliação”.

 

Após apresentar a definição académica de currículo, concluiu que o mesmo é o conjunto de conhecimentos a adquirir e também a prática diária que fazemos nas nossas escolas, considerando que “a nossa ideia de currículo vai influenciar a nossa prática pedagógica”.

 

Defendendo que as decisões políticas face ao currículo são instituídas por uma entidade ou por todos os elementos da comunidade, a docente da Universidade dos Açores levanta determinadas questões: “Que interesses estão por detrás dessas políticas?” “Quais os fatores que as condicionam?”.

 

Sustenta que, tudo o que se aprende e ensina nas escolas “forma um perfil de aluno”, e isso depende de uma orientação política que é determinante do perfil de aluno que se pretende. Sendo assim, pode-se afirmar que, o que sustenta essa ideia é uma questão ideológica. O que é necessário é saber o que é prioritário ensinar, isto é: que conteúdos e competências se devem priorizar. Segundo a OCDE existe um condicionamento de empregadores e de associações profissionais que defendem que se deve formar alunos para o mundo do trabalho. Os conteúdos e competências são assim determinados e condicionados pelo mundo empresarial que desenha o perfil de alunos que se pretende.

 

Ainda segundo a OCDE, Portugal encontra-se bem posicionado no que diz respeito ao acesso à escola. No ensino pré-escolar e no ensino obrigatório, Portugal apresenta-se com bons indicadores. No entanto, o sucesso escolar é abaixo da média, os diplomados do ensino básico são abaixo da média dos países da OCDE.

 

“A lógica do aluno”

 

Margarida Serpa afirmou que o grande desafio do ensino é “o professor apropriar-se da lógica do aluno”. A lógica do aluno não é a dos conteúdos, por isso o professor tem que ter a disponibilidade para uma relação mais próxima com o aluno de forma, essencialmente pelo estímulo da descoberta. Sendo assim, afastamo-nos do modelo tradicional do currículo que centra o seu foco nos conteúdos e nos objetivos.

 

Mas, levanta-se novamente a questão: “Quem define o currículo escolar?”. Podemos constatar que quem define o currículo é o Ministério da Educação, Associações, Sindicatos, Editoras, etc e também, segundo a professora, a Avaliação. A avaliação tem aqui com um papel determinante na definição do currículo. Sendo assim, a avaliação assume também uma perspetiva ideológica. Podemos vê-la como um controlo dos resultados a nível central. Este aspeto é verificável pelo papel que os exames nacionais assumem no sistema educativo.

 

Por último, a professora e investigadora da Universidade dos Açores, levanta as seguintes questões: “quem formamos?”, logo, “que politicas a adotar?”.

 

Reconhecendo que a “avaliação serve para a construção e re/construção do currículo” afirma que se dá demasiado relevo à avaliação sumativa dos alunos e que isso influência a organização do ensino, a obtenção de apoios sociais, o acesso a cursos, a comparação de desempenhos, a entrada no mundo laboral, etc…assumindo assim a avaliação um forte papel social e politico, nomeadamente uma pressão social junto dos professores, principalmente no cumprimento dos programas, para os exames nacionais, e na determinação do que se ensina e no perfil de aluno que se pretende.

 

O segundo orador, Francisco Sousa, apresentou uma comunicação intitulada Currículo Escolar – Uma questão política (e não só) 

 

Começando por defender que a educação é um bem comum e deve ser governado por todos e para todos, o docente e investigador afirmou que seria redutor abordar o currículo de uma forma somente científica e técnica. Fazendo uma perspetiva histórica da evolução do papel do currículo na sociedade, Francisco Sousa, citou vários autores dos EUA, percursores do currículo, que refletiram sobre a importância que a educação possui na sociedade, nomeadamente Bobbit e Charters (1918) que realçaram que o papel da escola podia levar à “eficiência social”. Este “Darwinismo Social”, refletido pelos testes de QI propostos por Alfred Binet, aplicados aos emigrantes que chegavam aos EUA, levava a que a avaliação permitisse a seleção e a segregação social, logo a uma “perspetiva eugenista” da sociedade.

 

“Orientação social”

 

As escolas são assim vistas como vias diferenciadoras de acesso social. As escolas são consideradas como “orientação social”, acentuando mesmo as diferenças existentes.

 

É nos anos 70 que o currículo se assume essencialmente como orientação politica, principalmente com a Teoria Critica defendida por Habermas. É nesta altura que se discute que a determinação do que se ensina pode levar à Inclusão ou à Exclusão. Há interesses que se sobrepõem ao que se ensina, e isso leva a questionar “quem beneficia? E quem fica prejudicado?” quanto ao que se ensina nas escolas, isto é, ao currículo que é prescrito num determinado momento. Os autores da Teoria Critica defendiam que a escola e o currículo deveriam levar à quebra de diferenças sociais.

 

Francisco Sousa referiu que o sistema educativo possui clientes que visam a satisfação de interesses comerciais, e deu como exemplo a questão do “empreendedorismo na escola”. Este aspeto a quem interessa? Quem beneficia mais? As organizações empresariais que observam os alunos mais dotados veem na escola o espaço de recrutamento para a sua mais-valia empresarial e consequente melhoria nos negócios. Estas organizações possuem interesses específicos nas dinâmicas da escola e por isso mesmo influenciam projetos e currículos escolares.

 

A Teoria Pós Critica que se diferencia da Teoria Critica, perceciona o currículo como “experiência subjetiva”, orientado principalmente para a questão da(s) “Identidade(s)” e apelando às “diversidades curriculares”. “Como é que eu me sinto face a um currículo que não é representativo da minha cultura?”, questionou Francisco Sousa, afirmando que, presentemente, o “currículo é sempre mais representativo da cultura dominante”. No entanto, defende que o currículo deve ser um “currículo culturalmente sensível com diferenciação”. Só essa visão e orientação podem levar a uma maior coesão social.

 

Adiantou que, em Portugal existe regulação curricular que é bastante forte à entrada no sistema de ensino e agora com o grande impacto dos exames nacionais assiste-se também a uma forte regulação à saída do sistema.

 

O docente universitário deu como exemplo o que aconteceu nos EUA na época de G.W Bush em que houve uma total desregulação do sistema de ensino proveniente dos “efeitos perversos da avaliação externa” por parte de empresas privadas que ganharam milhões de dólares ao realizarem estes testes de avaliação.

 

A avaliação externa funcionava como um “fim em si mesmo”, levando a que fossem desviados da Administração imensos fundos para os privados procederem à avaliação do sistema, levando a que fossem constituídas PPP’s na educação. Exemplo que já vamos observando em Portugal, nomeadamente com a aplicação do teste de Inglês, nas escolas públicas, por parte de uma Instituição Privada chamada Cambridge.

 

Por fim, Francisco Sousa, defendeu que o “currículo deve ser um espaço de deliberação”. Só assim se apela à participação dos intervenientes e se fomenta a diversidade e coesão social, princípios fundamentais numa escola que se pretende de todos e para todos.

 

Por fim, Mário Nogueira interveio afirmando que as alterações curriculares serviram essencialmente para despedir professores. A política de redução da despesa na educação foi feita pela redução de docentes, uma vez que os alunos baixaram 6% e os professores 21%! Assim, constata-se que a redução de docentes não se fez por via da existência de menos alunos no sistema, mas sim por uma vontade política e orientação ideológica de minimizar a escola pública. Afirmou mesmo que, esta orientação ideológica não quer acabar com a escola pública, uma vez que precisa dela para os alunos que não conseguem aceder ao ensino privado e para a tornar numa grande escola profissional. Foi com esta visão, de separação de alunos e não de integração de todos, que se procedeu às alterações curriculares, visando que se fomentem diferenças sociais a partir de formação escolar. Uns terão acesso ao ensino privado orientado para o ensino superior e outros estarão na escola pública a formarem-se como técnicos para o mundo do trabalho, numa perspetiva de ensino dual, modelo que Crato protocolou com o governo alemão. As metas curriculares, determinadas por este governo, servem esse propósito, servem para apurar e discriminar. Com esta política a escola pública tem que discriminar e selecionar o mais cedo possível, os alunos, diferenciando-os nas diversas vias de ensino.

 

Finalizando, Mário Nogueira teceu várias considerações sobre o assunto da ordem do dia, a chamada “municipalização da educação” que não é mais do que um contrato de delegação de competências em que, por exemplo, contratualiza-se que os municípios vão poder decidir 25% do currículo dos alunos. Esta medida de entregar aos municípios a “gestão” das escolas e de parte do currículo é um verdadeiro ataque à autonomia escolar, pois está a retirar competências da escola para as transferir para o município. A FENPROF promoveu, no início de junho, um referendo aos professores que manifestaram contra esta medida política de transferências de competências. Não é assim que se constrói a verdadeira autonomia, não é assim que se valoriza a escola pública e os professores souberam e saberão responder a mais este ataque à sua dignidade profissional, conclui o Secretário-geral da FENPROF./ Fernando Vicente

 

 

 

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