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Comunicação enviada ao provedor de justiça

Ex.mo. Senhor
Provedor de Justiça

ASSUNTO: DECRETO REGULAMENTAR REGIONAL – REGULAMENTO DE CONCURSO DO PESSOAL DOCENTE

Excelência

Vem este Sindicato dos Professores da Região Açores solicitar, a Vossa Excelência, que requeira ao Tribunal Constitucional, nos termos do nº 3 do artigo 20º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril e da alínea d) do nº 2 do artigo 281º da Constituição da República Portuguesa, que aprecie e declare a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da alteração ao artigo 23º do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, e no referente a todo o nº 4 agora introduzido, efectuada pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional em epígrafe, aprovado pelo Governo Regional dos Açores e a publicar, segundo informação prestada a este Sindicato, em Suplemento de 21 de Janeiro e com o número 4, anexando-se a versão que foi remetida a este Sindicato, para parecer.

O pedido deste Sindicato é formulado nos termos e com os fundamentos seguintes:

1- Recebida a proposta em epígrafe, a coberto do oficio nº 2271.GAB, de 27 de Dezembro de 2001, remeteu este Sindicato dos Professores da Região Açores, ao Sr. Secretário Regional da Educação e ao Sr. Presidente do Governo Regional, o oficio de que se anexa cópia.

1.1- Apesar do envio do oficio acima mencionado, entendeu o Governo Regional aprovar a referida proposta, sobre a qual assumiu este Sindicato e assim comunicou ao Governo Regional, que se tornava imperioso proceder a uma revisão global do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, não existindo justificação e/ou vantagens, de ordem geral, quer no respeitante aos profissionais que prestam serviço no sistema educativo da Região Autónoma dos Açores, quer para esta própria e para a educação no seu todo, numa alteração pontual de dois artigos, visando contemplar situações particulares que só deveriam ser equacionadas, se tal se afigurasse possível e benéfico, numa alteração global do diploma em apreço.

2- Para além do acima exposto, consideramos pertinente referir e foi igualmente comunicado ao Governo Regional que:

a) Conforme foi veiculado pela comunicação social (Diário Insular de 12/11/2001), Sua Excelência o Procurador Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional que “aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 24º do Decreto Legislativo Regional nº 16/98/A, de 6 de Novembro, bem como de todas as normas que integram o Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro“, nomeadamente por considerar que o artigo 2º, do DLR nº 16/98/A, na parte em que confere redacção adaptada ao artigo 24º do ECD, padece de “manifesta inconstitucionalidade orgânica“;

b) Como já foi assumido, quer pela FENPROF (Federação Nacional dos Professores), quer por este SPRA (Sindicato dos Professores da Região Açores), entendemos que devem ser combatidas (e assim faremos) todas as situações que atentem contra a igualdade dos cidadãos.

Senhor Provedor

3- Para além do problema da inconstitucionalidade orgânica referido em 1 e sobre o qual o Tribunal Constitucional se pronunciará proximamente, entendemos que a alteração ao artigo 23º, do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, efectuada pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional agora aprovado, e no referente a todo o nº 4 agora introduzido, viola várias disposições da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os seus artigos 13º nº 2, 43º, 47º nº 2 e 75º nº 2, pelos motivos, a saber:

3.1- Consagra o artigo 13º nº 2 da Constituição da República Portuguesa que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”, fixando o seu artigo 22º que “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”.

3.1.1- Nos termos do artigo 47º nº 2, da mesma Constituição, “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso“.

3.1.2- Ora, o Decreto acima referido, em alteração ao artigo 23º, do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro (Regulamento de Concursos do Pessoal Docente), ao consagrar que “Podem concorrer a provimento por período não inferior a três anos…….os candidatos que satisfaçam, pelo menos, uma das seguintes condições“, a saber: I) terem sido bolseiros da RAA; II) terem realizado estágio em escola da rede pública da RAA; III) terem prestado 3 anos de serviço docente em escola da rede pública da RAA ou IV) terem acedido ao ensino superior integrados no contingente da RAA, ofende o artigo 13º, 2 da CRP, ao estabelecer um tratamento diferenciado para os cidadãos portugueses, em razão da residência.

Na verdade, as quatro alíneas da alteração ao nº 4 do artigo 23º constantes do Decreto em crise, reconduzem-se à definição de um modo de preferência em razão da residência dos opositores ao concurso, ou na linguagem constitucional do “território de origem”, cf. o artigo 13º, 2 da CRP.

De facto, o Regulamento de Concessão de Bolsa (Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho, da Secretaria Regional da Educação e Cultura) estabelece no ponto nº 8, alínea a) que os professores a quem for concedida bolsa pela RAA estão obrigados à prestação de serviços “em escola da Região Autónoma por período não inferior ao dobro daquele pelo qual foi concedida a bolsa”. Isto é, para a prestação de serviço em escola dos Açores, os professores bolseiros da Região têm de viver … nos Açores.
Por seu turno, a realização do estágio profissionalizante – estágio integrado em curso superior ou profissionalização em serviço – em “escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores”, cf. o artigo 23º, nº 4, alínea b) do Decreto pressupõe – exige mesmo – a residência nos Açores, na medida em que a realização do estágio profissionalizante é efectuado em escola da Região (Decreto Legislativo Regional nº 1/2002/A, de 4 de Janeiro).
Por definição, a prestação de serviço docente, cf. o artigo 23º, nº 4, alínea c) do Decreto só é possível se o docente residir nos Açores.
Já quanto ao acesso ao ensino superior, integrado no contingente da Região Autónoma dos Açores, cf. o artigo 23º, nº 4, alínea d) do Decreto resta assinalar que, nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 alínea a), da Portaria 115/2001, de 12 de Julho, só podem “concorrer às vagas dos contingentes especiais previstos nas alíneas a).do nº 2” do artigo 9º (contingente para os Açores), “os estudantes que, cumulativamente, façam prova de que “À data da candidatura residam permanentemente, há pelo menos dois anos, na Região Autónoma dos Açores“.
O disposto no artigo 13º, nº 2 da CRP, não só considera irrelevante o “território de origem” como factor justificativo dum tratamento diferenciado, como proíbe mesmo que os cidadãos sejam beneficiados ou prejudicados pela mesma razão.
Ao estabelecer a proibição constante deste artigo, a CRP acentua a unidade territorial do Estado, definida no artigo 6º, nº 1 da CRP – Estado unitário com Regiões Autónomas – obstando à formação de diferentes grupos ou classes de cidadãos, beneficiados ou prejudicados em razão de uma origem geográfica ou de uma residência, conceito compreendido naquele.
Referencia-se, a propósito a jurisprudência do Parecer nº 1/76 da Comissão Constitucional (in As Autonomias Regionais em 10 anos de Jurisprudência, Assembleia Regional dos Açores, Horta, 1987, Tomo I, pp 13 e ss), quando nele se escreve: “Em determinadas condições, os residentes na Madeira gozariam de preferência absoluta, no acesso a certos cargos na região autónoma. Mas continuariam a concorrer com os residentes no continente e com os residentes nos Açores, em pé de igualdade, relativamente aos cargos homólogos nessas outras áreas do território nacional” (sublinhado nosso).
A situação sobre a qual recaiu o Parecer 1/76 reconduz-se à situação jurídica “sub judice“: os professores residentes nos Açores ou os que satisfaçam algum dos critérios de preferência ora estabelecidos podem ser opositores, em igualdade de circunstâncias com outros colegas de outras parcelas do território nacional, ao concurso nacional, disciplinado pelos Decretos-Lei nºs 35/88 e 18/88, respectivamente de 4 de Fevereiro e 19 de Abril.
Está, pois, em causa o  livre acesso à função pública, na Região Autónoma dos Açores, em condições de igualdade para os diferentes cidadãos, como dispõe o artigo 47º nº 2 da CRP.
Como escreve Jorge Miranda , in O Regime dos Direitos, Liberdades e Garantias – Estudos Sobre a Constituição, Livraria Petrony, Lisboa, 1979, 3º vol., pp 55, “o legislador deve integrar-se no pensamento constitucional e ater-se ao valores por ele perfilhados. Sendo o princípio da igualdade e não da desigualdade, deve executar as próprias normas constitucionais no sentido mais afastado do privilégio e da discriminação. E para julgar da constitucionalidade das normas legais há que apurar os próprios critérios do legislador.”

3.2- Para além do exposto, destacamos que a CRP, no próprio artigo 43º nº 1, garante “a liberdade de aprender e ensinar” liberdade colocada em causa e violada pela alteração agora introduzida no mencionado Regulamento dos Concursos, apesar da sua consagração inclusive na Lei nº 65/79, de 4 de Outubro, de que destacamos a alínea g) do seu artigo 2º ao consagrar que a liberdade do ensino se traduz, designadamente, pelo ” Acesso a qualquer tipo de estabelecimento de ensino por parte de alunos e professores, sem qualquer tipo de discriminação, nomeadamente ideológica ou política“.

3.3- O Decreto ora em crise viola ainda o artigo 75º da CRP, no respeitante ao reconhecimento do ensino particular, aqui atingido com a exigência do exercício de funções na rede pública, apesar de os seus estabelecimentos serem reconhecidos como “parte integrante da rede escolar” pelo artigo 55º nº 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro), Sistema Educativo que e nos termos do artigo 1º nº 4, da mesma Lei, “tem por âmbito geográfico a totalidade do território português – continente e regiões autónomas“.
Mais uma vez se esquece, para além da Constituição, a própria lei ordinária e, no caso vertente, o consagrado em sede do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro, nomeadamente no respeitante à transição entre o ensino público e particular, tal como estipulado no seu artigo 70º e seguintes.

4- Por último, não podemos deixar de citar José Carlos Vieira Andrade in “Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” – Livraria Almedina – 1983 – pág: 264 e 265 ao escrever: “A afirmação de que os preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias vinculam as entidades públicas, para não ser uma banalidade, deve ser entendida como um reforço do carácter obrigatório daqueles preceitos“.

Acrescenta o autor que “Esta força vinculativa dirige-se, em primeiro lugar, ao legislador, enquanto órgão do Estado. Já atrás nos referimos, a vários propósitos, à obediência que o legislador deve à Constituição, designadamente em matéria de direitos fundamentais. O poder legislativo (a potência legislativa) deixou de corresponder à ideia de um soberano que se auto-limita, devedor apenas de uma veneração moral ou política a uma Constituição distante e juridicamente débil. É um poder constituído, subordinado, obrigado a realizar certas tarefas, a respeitar limites e a acatar proibições, a prosseguir determinados fins e a usar modos específicos para atingir os objectivos que se propõe, a mover-se dentro do quadro de valores constitucionalmente definido.”

Esperando que o nosso pedido mereça a concordância de Vossa Excelência, apresentamos os nossos agradecimentos.

Ponta Delgada, 23 de Janeiro de 2002

A  Direcção

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