Arrepiei-me ! Juro que fiquei arrepiada quando ouvi a notícia !
Não pelo facto que lhe deu origem, mas pelo tratamento que teve, pelas afirmações e insinuações produzidas, pelas incorrecções nela contidas.
Em vésperas da comemoração de mais um aniversário – o 27º – do 25 de Abril, ouvi falar de professores “que já têm ficha” na Secretaria Regional da Educação, de suspeitas sobre atestados médicos passados a professores, de “professores do Continente”, em clara oposição a professores da Região.
Fico a pensar que, se calhar, não houve 25 de Abril, que o professor agora não tem direito de ficar doente, que os médicos que passam atestados aos professores não sabem o que fazem, que afinal vivemos num País diferente em que quem vem do território continental português é “estrangeiro”.
Sinto-me chocada com a gravidade da situação e achei que não devia calar a minha indignação e se tornava necessário clarificar algumas questões levantadas pela notícia.
Para começar, e contrariamente ao que foi afirmado, os professores não têm “férias” na Páscoa. Como qualquer trabalhador, só têm um mês de férias e, ao contrário de outros trabalhadores, não podem escolher qualquer mês do ano para gozar férias uma vez que só o podem fazer entre Julho e Agosto.
O que existe ao longo do ano escolar são interrupções das actividades lectivas (ou seja, das aulas) e não foi por acaso que o legislador se lembrou de as consagrar no calendário escolar.
Até se percebe que a maioria da população pense que o professor está de férias quando não está a dar aulas. Afinal, as aulas são a face visível da sua actividade. O que espanta é que responsáveis por este sector façam essa confusão!
Acontece que há todo um trabalho que o professor faz, invisível para a maior parte das pessoas (até porque normalmente é feito em casa), de preparação de aulas, de estudo, de investigação de materiais, correcção de trabalhos dos alunos, de fichas, de testes, isto para falar só de algumas das muitas tarefas a realizar, que ultrapassam as paredes da sala de aula e ocupam muito tempo na vida de um professor.
As interrupções das actividades lectivas, para além de servirem para a realização de reuniões de professores, para avaliar os alunos ou discutir questões de interesse relacionados com eles, são um período óptimo para fazer um balanço do trabalho efectuado, reflectir sobre os resultados obtidos e, em função disso, perspectivar o trabalho futuro. São ainda períodos necessários de pausa (para professores e alunos), para repor as energias desgastadas pelo contacto diário.
O que tem que ficar claro é que a função do professor é ensinar, é ajudar os alunos a aprender, é contribuir para o seu desenvolvimento como pessoas e como cidadãos. Contrariamente ao que alguns desejariam que fosse, não é função do professor “entreter meninos”.
Se ninguém se lembra de exigir a um médico que “tome conta” do doente, lavando-o, metendo-lhe a comida na boca, ficando ao pé dele dia e noite, nem de pedir ao engenheiro que pegue nos blocos e construa a casa, é bom que ninguém se lembre de pedir ao professor que faça mais do que lhe compete. Para muitos, no entanto, professor tem que ser “pau para toda a obra” e, além de ensinar, ainda tem que ser pai e mãe, “baby-sitter”, assistente social, psicólogo …
Talvez por isso, ou talvez porque, na realidade, todos nós, professores, acabamos mesmo por fazer de tudo um pouco, quando falta um professor, “cai o Carmo e a Trindade”.
E é aqui que chegamos ao “corpo” da notícia: cerca de 1 000 (mil) professores do Continente apresentaram atestado médico depois da Páscoa e a Secretaria Regional da Educação tem suspeitas sobre esta “estranha epidemia que só afecta professores”.
Antes de mais, nestas coisas de números, é sempre preciso ter cuidado na maneira como se manipulam. Tudo é relativo ! É evidente que não estamos a falar dos funcionários que trabalham na Secretaria Regional da Educação ou em qualquer outro serviço público. Estamos a falar de professores que são, de facto, em grande número na Região. Basta pensar que não há ilha que não tenha escola, que em algumas ilhas há muitas escolas, e em algumas escolas há mais de cem professores. Se repartirmos aqueles mil professores pelas respectivas escolas e compararmos esse número com o total de professores que nelas leccionam, a percentagem de “faltosos” provavelmente não será superior à de qualquer outro serviço. Aliás, não há, que eu saiba, qualquer estudo que comprove que os professores faltam mais do que os outros trabalhadores da Administração Pública.
Poderão dizer-me que a falta de um professor tem implicações que as faltas de outros trabalhadores não têm. De acordo ! Mas se há consequências negativas é porque não existem os meios nem as estruturas (as próprias Escolas não as têm) que permitam compensar essas faltas.
Agora, por favor, não transformem o professor num Super-Homem (ou Mulher)! O professor é um ser humano, que pode estar doente, que tem família, problemas particulares, assuntos urgentes a tratar, como qualquer pessoa. E, como qualquer pessoa, pode ter que faltar e a lei permite-lhe que o faça.
É bom que se diga também que, em termos do processo de ensino-aprendizagem, é menos grave uma falta no início do período lectivo do que a meio ou no fim. Por isso mesmo, alguns professores têm o cuidado de marcar consultas, tratamentos, intervenções cirúrgicas, em datas coincidentes com as interrupções das actividades lectivas, prevendo que possa haver necessidade de faltar mais dois ou três dias e pensando que assim prejudicarão os alunos.
Relativamente ao facto de haver professores do Continente português na nossa Região, se eles cá estão é porque as escolas precisam deles e, por enquanto, ainda vivemos no mesmo País.
Quanto às suspeitas que são lançadas por esta notícia, está-se a tentar dar uma imagem negativa de uma classe que, na sua grande maioria, é extremamente cumpridora, ao mesmo tempo que se põem em causa os médicos que passaram os atestados. É caso para dizer que “de uma cajadada se matam dois coelhos” !
Mais grave ainda é insinuar que há professores com cadastro, falar em “fichas” na Secretaria Regional da Educação, um processo a enviar para a Inspecção e para o Ministério Público, como se de criminosos se tratasse.
Quanto a isto, só me apetece dizer: “Já ultrapassámos a Madeira !”
Leonor Dutra