Domingo, Novembro 24, 2024
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Sindicatos, interesse público e direitos de quem trabalha

AOS PROFESSORES E EDUCADORES

Poucos dias após a realização do 9.º Congresso Nacional dos Professores, o jornal “Público” divulgou um artigo de Vital Moreira em que, por considerar contraditórios os interesses da Escola Pública e os direitos dos docentes, criticava a declaração do Secretário-Geral da FENPROF, no encerramento do Congresso, referindo como traves mestras da acção e da luta sindical, precisamente a defesa da Escola Pública e, simultaneamente, a defesa dos direitos e interesses dos seus profissionais.

Com o objectivo de esclarecer as razões por que a FENPROF considera que aqueles dois objectivos não são contraditórios, Mário Nogueira fez chegar ao  “Público” um texto que, contudo, não foi publicado pela direcção do jornal. Por essa razão, e por terem sido inúmeros os colegas que nos colocaram a necessidade de, sobre aquela matéria, ser dada uma resposta a Vital Moreira, a FENPROF decidiu agora divulgá-lo aos professores e educadores.

O Secretariado Nacional da FENPROF

 

SINDICATOS, INTERESSE PÚBLICO
E DIREITOS DE QUEM TRABALHA

Mário Nogueira, Secretário-Geral da FENPROF

A pergunta escolhida por Vital Moreira no seu artigo “Sindicatos e interesse público” é extremamente importante, pelo que também merece ser ponto de partida para outras reflexões. “Existe alguma relação natural entre os interesses dos profissionais dos serviços públicos (educação, saúde, etc.) e a defesa desses mesmos serviços?” – questionava o professor universitário. Respondia negativamente o próprio, considerando esse alegado antagonismo de interesses como natural, enquanto acrescentava que a defesa dos serviços públicos não faz parte da agenda dos sindicatos.

Não sendo crível que o exercício retórico de Vital Moreira pretenda apenas servir interesses político-partidários que, nos últimos tempos e cada vez mais, o professor tem assumido, estranha-se a conclusão, principalmente por advir de quem também assume um justo estatuto de intelectual reflexivo e diz rejeitar o ideário neoliberal da “moda”. A nossa incompreensão, contudo, vai sendo desfeita à medida que se avança na leitura do referido artigo de opinião. Descobre-se que Vital Moreira, afinal, desconhece as posições da FENPROF face a diversas medidas tomadas pelo Ministério da Educação, bem como o conteúdo do estatuto da carreira docente que foi imposto aos educadores de infância e aos professores dos ensinos básico e secundário. Se conhecesse não diria que os Sindicatos de Professores se opunham ao alargamento do horário escolar, pois a existência de uma resposta social a prestar pela escola pública é velha exigência dos Sindicatos; não diria que estes se opunham às medidas contra o absentismo, pois o que justamente se contesta é que os professores sejam penalizados nas suas carreiras devido a ausências legalmente justificadas, como as que decorrem de situações de doença ou acidente, para além de outras que se submetem a tutela constitucional; não afirmaria que os Sindicatos são contra as aulas de substituição, pois saberia que a contestação recai sobre a forma ilegal e desqualificada como o ME impôs as actividades de substituição; compreenderia que o problema do encerramento das escolas não tem a ver com as que têm poucos alunos e trabalham sem condições, mas com os milhares de estabelecimentos que têm um número significativo de alunos e/ou que, encerrando, obrigam as crianças a longas deslocações para escolas (de acolhimento) com as mesmas ou em piores condições; não escreveria que o estatuto da carreira docente tem dois escalões, pois tem nove.

O que se contesta no estatuto da carreira docente é a criação de duas categorias hierarquizadas com o único intuito de impedir a progressão dos professores e educadores até aos patamares salariais mais elevados, penalizando, sobretudo, os professores que mais se distinguem na que deverá ser a componente mais importante da sua actividade: a lectiva. Ou seja, a actividade desenvolvida com os alunos na sala de aula.

Assim, a afirmação de que entre a defesa dos direitos profissionais dos docentes e os interesses da Escola Pública não existe qualquer conflito, é incorrecta. A Escola Pública, para se afirmar e, de facto, cumprir o papel de inclusão e coesão social que só ela pode cumprir (concordo em absoluto com Vital Moreira relativamente a este aspecto que também considero essencial para que a escola pública se imponha à privada), terá de garantir que as suas múltiplas respostas – educativa, sócio-educativa e social – são de elevada qualidade. Nesse sentido, contribuirá a existência de recursos adequados – tanto financeiros, como materiais e humanos -,  não sendo irrelevante a situação sócio-profissional dos seus docentes. Ao defenderem a estabilidade de emprego e profissional dos professores, bem como uma carreira valorizada, incluindo no plano material, e uma profissão socialmente dignificada, os Sindicatos de Professores, e a FENPROF em particular, estão a defender uma Escola Pública com mais qualidade. É que esta não se constrói com profissionais mal formados, contratados a prazo e de emprego incerto, que sejam “pau para toda a obra”, sem direitos, mal pagos, permanentemente debaixo de um fogo que os responsáveis do ME não se cansam de intensificar em cada discurso que fazem. Uma escola com profissionais desvalorizados não pode cumprir o seu papel, antes tenderá a ver acentuados fenómenos de indisciplina e violência constituindo-se, também ela, como mais um factor de exclusão.

A ideia de “desprofissionalizar” os docentes, que perpassa do texto de Vital Moreira, não é nova. Encontra-se, por exemplo, nas recomendações do Banco Mundial e subjaz a muitas medidas impostas pela actual equipa ministerial. Essa é, aliás, questão central para os teóricos do neoliberalismo: por um lado, porque o grande mercado da Educação, que pretendem controlar, será mais lucrativo se as despesas com os trabalhadores forem reduzidas; por outro, porque “funcionarizar” os professores, transformando-os em zelosos cumpridores de circulares e despachos internos e meros transmissores de conhecimentos e competências técnicas (limitando a sua função às vertentes cognitiva e prática), retira à Escola qualquer incursão por domínios como o dos valores, o do exercício da cidadania, entre outros, que são fundamentais para a formação cívica dos futuros cidadãos. Concentrar esforços na reprodução de trabalhadores bem apetrechados tecnicamente, mas nulos no que respeita à sua intervenção cívica, é objectivo primacial do neoliberalismo. Sem ignorar esta vertente, uma Escola Pública verdadeiramente Democrática não pode desvalorizar a outra.

Percebe-se que o Primeiro-Ministro e o seu Governo, dada a orientação neoliberal das suas políticas, tenham aderido a esta “moda” ideológica. Não se tinha era compreendido que a “moda” estava a pegar. Estaremos cá nós, também, e provaremos quem, afinal, é “démodé”.

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