Falar de Educação Especial na Região Autónoma dos Açores exige uma prévia caracterização da situação de que se partiu e do caminho que se percorreu até ao momento presente.
Antes de mais, convém salientar que, sendo os Açores um arquipélago, composto por nove ilhas, com uma grande diversidade entre si, não só em termos de dimensão territorial, como em população, com diferentes graus de desenvolvimento daí resultam também realidades diferentes no que respeita quer à Educação em geral quer, em particular, à Educação Especial.
Em Abril de 1974, a Educação Especial era praticamente inexistente na Região. À excepção de um Centro de Educação Especial em Ponta Delgada, com duas extensões em Angra do Heroísmo e na Horta, esta última de muito pequena dimensão, baseada numa filosofia segregadora e abrangendo apenas as situações de deficiência profunda existentes nos três concelhos; para além do já mencionado, nada mais existia.
A inexistência de estruturas, de técnicos e de docentes especializados aliada a um demorado processo de desenvolvimento da autonomia regional e transferência progressiva de poderes do Governo da República para os órgãos de poder político próprios da Região, levou a que só no final dos anos 80 fossem criados os primeiros serviços nesta área, as salas de Apoio Permanente, inicialmente apenas para crianças com deficiências e alargando-se posteriormente a outras necessidades educativas especiais.
É, no entanto, na década de 90 que se dá o grande impulso nesta área na Região Autónoma dos Açores, através da aplicação da filosofia integradora contida na Lei de Bases do Sistema Educativo, com a criação das Equipas de Educação Especial, em todos os concelhos da Região, pelo Decreto Regulamentar nº 2/93/A, de 23 de Fevereiro.
Estas Equipas eram dotadas de vastas competências, apoiando crianças e jovens até aos 18 anos, com diferentes modalidades de apoio. Tal ficou a dever-se, em grande parte, à sensibilidade governativa da época, tendo sido criada uma Divisão para a Educação Especial na orgânica da Secretaria Regional da Educação , com pessoal especializado.
Uma das grandes dificuldades de então, que se mantém até aos nossos dias, é a carência de docentes especializados, tornando-se necessário recorrer a professores do ensino regular que, por falta de formação específica, desvirtuam, por vezes, o papel da Educação Especial. Faltou o investimento indispensável na formação de técnicos para o preenchimento das vagas existentes.
Se é um facto que, pelo Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro (Diploma de Concursos) se abriu a possibilidade de serem criados lugares de quadro para a Educação Especial, estes, pelas razões apontadas, não foram preenchidos na totalidade por docentes especializados, sendo posteriormente ocupados, por afectação, por professores do ensino regular.
Nos últimos anos, o que é politicamente paradoxal, assistimos a um retrocesso nos princípios da Lei Bases do Sistema Educativo, verificando-se um progressivo abandono da Educação Especial. Este processo teve início com a extinção da Divisão do Ensino Especial na orgânica da Secretaria Regional da Educação, deixando de existir nesta Secretaria qualquer técnico especializado nesta área, facto agravado com a sucessiva publicação de legislação suportada por uma filosofia segregadora, o qual culminou com a publicação de dois Programas: o programa Cidadania e o programa Oportunidade, que prevêem a constituição de turmas especiais para os alunos com deficiências, no 1º caso ou crianças em risco de abandono escolar, no 2º caso.
Com a aplicação destes Programas inicia-se a “rotulação” dos alunos, de acordo com a tabela Nacional de Deficiências, são estigmatizados, marginalizados, colocados à parte em turmas especiais, perpetuando o isolamento e a desintegração destas crianças dentro da própria escola que frequentam, facto que contraria absolutamente a Lei Bases do Sistema Educativo, e as Declarações que o País subscreveu, nomeadamente, a Declaração de Salamanca.
É indiscutível que o Sindicato dos Professores da Região Açores tem tido uma actuação atenta, critica , persistente e reflexiva face às propostas de política educativa na Região, dificultada, sem dúvida, pela atitude autista do actual Secretário Regional da Educação.
Relembramos que os Pareceres aos documentos citados enviados por este Sindicato denunciam a violação dos princípios integradores definidos pela UNESCO, UNICEF e pela Declaração de Salamanca, antevendo já as consequências: o isolamento das crianças e dos técnicos e a criação de Ghettos nas escolas, em suma, indigna-nos assistir actualmente à derrocada de um projecto que acreditávamos ser possível realizar numa Região sem tradições de segregação, pelas razões já referidas, isto é, a quase inexistência da Educação Especial até à publicação da Lei Bases do Sistema Educativo.
Apesar das dificuldades, mantemos o sonho da construção de uma Escola para Todos e acreditamos que é possível tornar realidade o projecto de uma escola que integre todas as pessoas, em condições de igualdade de oportunidades, no respeito pela diferença e autonomia de cada um, sob pena de hipotecarmos irremediavelmente o direito ao sucesso e à felicidade de cada indivíduo e a necessidade de desenvolvimento e progresso do País.
Haja vontade Política !
Clotilde Duarte
Comunicação Proferida no âmbito do Encontro
“Educação Especial que Futuro”, Jan. 2002