No dia 29 de Janeiro fui confrontado com algumas questões, por uma jornalista do Açoriano Oriental, sobre o porquê dos resultados negativos das provas aferidas, referentes ao ano de 2002, que, ao que parece, face aos resultados disponíveis, colocam a Região Açores numa situação menos favorável , num contexto, já de si, pouco animador em termos nacionais. Embora tivesse a oportunidade de opinar sobre o assunto, julgo, no entanto, importante aprofundar um pouco mais algumas questões, clarificar outras e até fazer alguns comentários a informações e expressões atribuídas ao Sr. Secretário Regional da Educação e Cultura.
No nosso país há pouca tradição em avaliar aquilo que se faz e, quando se o faz, a tendência é a de procurar encontrar, logo de imediato, alguém a quem se possam assacar responsabilidades individuais e não colectivas, de modo a que não se perca muito tempo a reflectir sobre os assuntos e se continue a avançar, aos ziguezagues, consoante as ?modas? e os devaneios dos protagonistas do momento.
Na Educação passa-se o mesmo. Entendo, por isso, que urge fazer-se uma reflexão colectiva, séria e ponderada, sobre as múltiplas causas de um problema crónico na sociedade portuguesa que é o insucesso educativo e que, apesar das sucessivas reformas e contra-reformas, teima em persistir condenando, deste modo, o desenvolvimento do país.
Em matéria de educação todos somos co-responsáveis, mas não nos podemos esquecer que há hierarquias de responsabilidade. Quem define a política educativa do país não são os professores, os alunos, os pais ou a sociedade em geral. Há uma equipa ministerial que traça os objectivos, define os programas, determina as disciplinas e o tempo de leccionação, cria a rede educativa e as estruturas de apoio que entende por convenientes, restando aos professores e demais intervenientes no processo educativo dar cumprimento, com os parcos meios de que dispõem, às orientações superiormente determinadas. Se os nossos filhos não alcançam o sucesso desejado, não devemos imputar, sistematicamente, esta responsabilidade aos docentes que continuam a ter muito pouca participação na definição de tais políticas, apesar da tão apregoada autonomia das escolas. Devemos, sim, olhar para cima e tomar consciência de que o país carece de um pacto de regime, também para a Educação, para que se defina uma linha de rumo, coerente e consistente, que perdure no tempo, e não vagueie, constantemente, ao ?sabor? das políticas partidárias, de curto prazo, e das concepções dos ministros que, por vezes, chegam a ser três numa só legislatura, introduzindo mudanças sucessivas, acompanhadas de uma profusão legislativa e de exigências burocráticas que provocam uma tal instabilidade, um tal descrédito e um tal desânimo, cujos resultados estão à vista.
Reparem como o poder assume as suas responsabilidades, quer no plano nacional, quer no plano regional. Enquanto o Sr. Ministro da Educação, David Justino, quando confrontado com os maus resultados das provas aferidas, remete, de imediato, para os seus antecessores o ónus do insucesso educativo do país, na Região o Sr. Secretário Regional da Educação e Cultura, Álamo de Meneses, há quase oito anos com a tutela da pasta da Educação, utiliza a estratégia da ?fuga para a frente? dizendo a este jornal que, daqui a dez anos, ?vamos ser os melhores?, figurando, assim, no quadro de honra nacional. Com esta afirmação, que motivou o título deste artigo, ficamos por um lado surpresos e por outro estupefactos. Surpresos porque se com cerca de oito anos da sua governação estamos na cauda do país, como é que daqui a dez anos vamos estar no topo? Será que este optimismo visionário do Sr. Secretário resulta do facto de só agora ter reconhecido que, ao longo da sua governação, tem sobrevalorizado demasiado as questões de natureza administrativa em detrimento das de natureza pedagógica, pretendendo, agora, reorientar a sua política educativa? Ou será que confia mais na política dos seus sucessores do que na sua própria?.
A este sentimento junta-se o da estupefacção pelo facto de verificar que o Sr. Secretário faz bandeira de um projecto que ?consiste na colocação de mais de duzentos professores do 1º Ciclo do Ensino Básico nas escolas de 2º Ciclo, para prestar apoio aos estudantes que revelaram dificuldades em competências que deviam ter sido assimiladas nas primeiras etapas do ensino?. Como é possível alguém exaltar o pioneirismo desta medida e ufanar-se da necessidade de colocar tão elevado número de professores do 1º Ciclo nas escolas do 2º Ciclo, para tentar resolver, tardiamente, aprendizagens que deveriam realizar-se logo nos primeiros anos de escolaridade, como é o caso da leitura, da escrita e do cálculo?. Não será que esta necessidade traduz, precisamente, o insucesso de uma política que em vez de procurar solucionar os problemas no momento oportuno os adia e agrava, procurando, à posteriori, soluções de resultados duvidosos, em vez de efectuar o diagnóstico e uma intervenção atempada e adequada, logo nos primeiros anos de escolaridade, através de uma maior individualização do ensino e da colocação dos professores de apoio necessários, acompanhados por equipas especializadas? Não será que uma criança aprende melhor a ler e a escrever aos 7 e 8 anos de idade, se for bem enquadrada, acompanhada e apoiada, do que aos 13, 14 ou 15 anos ? Se assim é, por que é que, cada vez mais, se desinveste nos apoios educativos ao nível do 1º Ciclo do Ensino Básico, sabendo nós que os professores de apoio ali colocados, em muitos casos, servem apenas para constar, atendendo a que o que lhes é exigido, em primeira prioridade, são as substituições? Por que não criar equipas diferenciadas para uma e outra função, aplicando o determinado no Estatuto da Carreira Docente ou recorrendo à colocação de mais professores quando há tantos no desemprego?
Quem tem uma visão puramente economicista em Educação tenta, por norma, adiar os problemas, só que, no fim, acaba por pagar mais e obter menos resultados. A conclusão a que chegamos é que, afinal, o que devia ser investido no 1º Ciclo está a sê-lo, ?tarde e a más horas? como diz o povo, no 2º Ciclo. Será esta uma boa política? Não haverá aqui uma grande incongruência? Não será este um exemplo demonstrativo de que o tão apregoado aumento do investimento na Educação, a nível Regional, cai, por vezes, ?em saco roto??.
Termino como comecei dizendo que a fé é que nos salva, porque, infelizmente, a culpa nunca recai sobre quem manda, mas sempre sobre quem obedece, embora tenha a consciência de que enquanto continuarmos a ser das Regiões mais pobres do país, apesar das assimetrias aqui não serem das mais evidentes, dificilmente os resultados escolares nos permitirão alcançar, a este nível, posições de liderança no todo Nacional. A Escola continuará a ser o reflexo da sociedade em que vivemos, enquanto desenvolvermos políticas educativas que se limitem, apenas, a garantir o direito de acesso à Educação, e não o direito de sucesso, ou seja, enquanto não soubermos ou quisermos desenvolver políticas que garantam maiores condições de igualdade nas aprendizagens.
Armando Dutra