Quinta-feira, Março 28, 2024
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Ensino Profissional: 20 anos de incerteza, instabilidade e precariedade! Até quando?

 

“O sacrifício profissional dos professores, técnicos, formadores e restantes funcionários auxiliares de acção educativa e administrativos que, com a sua dedicação e protagonismo (e o seu próprio prejuízo), têm sido o garante desta resposta educativa e formativa”, é um dos traços dominantes do “balanço negativo do Ensino Profissional”, como realçou a FENPROF, em conferência de imprensa realizada na tarde desta terça-feira, 24 de Março, em Lisboa.

Como sublinhou Mário Nogueira, “o financiamento sufocante da actividade destas escolas” (200 só no continente), que é “não só absolutamente desadequado mas, também, insuficiente e sistematicamente atrasado”, é outro dos aspectos marcantes da actualidade no sector.

Além do secretário-geral da FENPROF, participaram no encontro com os jornalistas os dirigentes sindicais que coordenam o Departamento da Federação para o Ensino Profisional: Anabela Sotaia, coordenadora adjunta do Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC) e coordenadora deste grupo de trabalho, que respondeu a várias questões colocadas pelos jornalistas; Graça Sousa, da Direcção do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL); José Manuel Costa, da Direcção do Sindicato dos Professores do Norte (SPN); Rui Sousa, vice-presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS); e Nuno Fonseca, da Direcção do Sindicato dos Professores da Região Açores (SPRA). Motivos profissionais impediram a presença do representante do Sindicato dos Professores da Madeira (SPM).

Governantes falam demagogicamente do “êxito”
do ensino profisional mas esquecem os sacrifícios
dos que lá trabalham!…

“Num momento em que se celebram os vinte anos de implementação do Ensino Profissional no nosso País e em que Governo e Ministério da Educação enaltecem o papel fundamental dos cursos profissionais na qualificação de mais jovens “para uma integração de melhor qualidade na vida activa”, os docentes e formadores das escolas profissionais vivem situações de extrema precariedade e instabilidade”, lê-se na nota sintetizada e comentada por Mário Nogueira nesta conferência de imprensa.

“Para esta crescente valorização do modelo do ensino profissional nunca houve a correspondente valorização, por parte dos sucessivos governos e equipas ministeriais, dos milhares de docentes e formadores que tanto contribuíram, com o seu trabalho e dedicação, para o desenvolvimento deste tipo de ensino e dos alunos que o têm frequentado”, lembra a FENPROF, que acrescenta:

“Na verdade, esse desenvolvimento e alguma qualidade que, apesar de tudo, tem surgido, foram obtidos à custa dos direitos destes profissionais: vinte anos após a criação das escolas profissionais, não têm direito, ainda, a uma carreira! É num quadro de completa desregulação laboral, de constante instabilidade profissional e de grande incerteza face ao futuro que estes docentes e formadores exercem a sua actividade.”

O actual Governo, como foi recordado na conferência de imprensa, vai terminar o seu mandato deixando esta grave situação…

Os problemas mais comuns no sector

A FENPROF define assim “os problemas mais comuns na generalidade das escolas profissionais do Norte, Centro e Sul do País”:

– Inexistência de um contrato colectivo de trabalho que preveja, entre outros aspectos de âmbito socioprofissional, regras relativas a horário de trabalho, organização das diversas componentes das funções docentes e as condições de progressão na carreira;

Sendo o horário lectivo a prestar de 22 horas, estes docentes estão sujeitos a cargas horárias lectivas que se situam entre as 24 e as 27 horas (por vezes mais!) sem qualquer tipo de remuneração acrescida ou extraordinária;

– Exercício de cargos pedagógicos (orientador educativo de turma e coordenador de curso, entre outros) sem a correspondente redução da componente lectiva e sem qualquer compensação remuneratória;

– Obrigatoriedade de permanência de 35 horas na escola, o que impede o normal desenvolvimento da sua componente individual de trabalho, necessariamente destinada à preparação, planificação e avaliação da actividade docente e das aprendizagens, nas suas diversas variáveis;

– Recibos verdes ilegais, durante anos a fio (5, 6 ou mais anos), sem direito a férias, a subsídio de férias e 13º mês, a subsídio de refeição e sem descontos para a Segurança Social;

– Redução unilateral do horário de trabalho dos professores do quadro, o que é ilegal, com o objectivo de reduzir salários e transferir essas horas para professores contratados que, por esse motivo, são ainda pior remunerados;

– Inexistência de uma tabela salarial global, o que permite desigualdades profundas entre escolas;

– Salários congelados (sem qualquer revisão anual, nem qualquer correspondência com o tempo de serviço cumprido) durante vários anos.

Falta uma Lei do Financiamento

Na perspectiva da FENPROF, “se por um lado, estas situações estão a levar a consequências muito negativas no plano da motivação e do investimento na profissão, com prejuízo da qualidade e da eficácia das actividades destes docentes, por outro, elas são a face mais visível de um financiamento insuficiente e completamente desajustado ao normal funcionamento destas escolas e ao discurso do Governo de que se está perante uma prioridade política no quadro de uma transformação positiva do sistema educativo.”

E a Federação justica: ” Isto porque o modelo de financiamento das escolas profissionais, com excepção das da região de Lisboa e Vale do Tejo, e as regras envolvidas são exactamente as mesmas de qualquer acção de formação avulsa, de 20 ou 30 horas, a que se candidata uma qualquer empresa ou um gabinete de formação profissional.”

Escolas tratadas como “empresas beneficiárias da formação”

Como explica a FENPROF, “nesta lógica, as escolas profissionais são tratadas de forma diferente dos restantes estabelecimentos de ensino, apesar de lhes ser exigida a mesma resposta. São tratadas como empresas beneficiárias da formação, que têm de adiantar o seu próprio investimento. Como? Muitas vezes recorrendo ao crédito bancário, do qual apenas são reembolsadas depois, por norma, tarde e a más horas, pelos apoios do Fundo Social Europeu, complementados pelos do Estado português, mas não na totalidade. É que os juros do recurso ao crédito a que se vêem obrigadas não são elegíveis, correspondendo a mais uma sobrecarga inadmissível no seu orçamento”.

“O que é grave é que estas regras de financiamento não se coadunam com os objectivos dos projectos educativos de ciclos de formação trienais a que estas escolas estão obrigadas, estando, por isso, muitas delas em situação de verdadeiro estrangulamento. E é inadmissível que, actualmente, com vinte anos de existência, muitas escolas continuem sem dinheiro para pagar aos professores e formadores, com os quais têm, inevitavelmente, compromissos permanentes”, esclarece a FENPROF.

“Desinteresse da tutela” e “novas formas de escravidão”

Como foi referido pelos dirigentes sindicais presentes no encontro com a comunicação social, todos estes problemas têm vindo a ser denunciados pela FENPROF junto das instâncias governativas (Ministério da Educação e Ministério do Trabalho), insistentemente, há já vários anos, com pedidos de reunião urgente, sem qualquer resposta ou, sequer, informação de recepção, o que revela um absoluto desinteresse da tutela pelas condições inumanas em que milhares de professores e técnicos exercem as suas funções. Cidadãos que, afinal, têm vindo a desconstruir expectativas quanto ao seu futuro profissional, com cujas famílias deixaram, muitas vezes, de partilhar momentos em conjunto, vendo, assim, reduzida, dramaticamente, a sua qualidade de vida à custa da manutenção do emprego, sujeitando-se, por esse motivo, a estas novas formas de escravidão.

“É absolutamente inaceitável e, até, contraditório com o enaltecimento e valorização (no discurso) que têm vindo a ser feitos pelo Governo e pelo ME, em torno do ensino profissional, que estes se mantenham numa atitude autista e completamente irresponsável (nos actos), prejudicando o conjunto dos docentes e formadores das escolas profissionais, com consequências muito negativas no plano socioprofissional e na qualidade do ensino destas escolas, colocando, mesmo, em risco, o trabalho que têm desenvolvido nestes anos e, até mesmo, o seu funcionamento. Por esta razão, há escolas que já tiveram de fechar as suas portas”, como esclareceu Anabela Sotaia, que apresentou vários exemplos.

“Cresceu muito, mas cresceu mal”

“Este retrato negro, que peca, apenas, por defeito e que atinge drasticamente todo o sistema de ensino profissional, tem no sector privado maior incidência. Porém, também no ensino público o crescimento da oferta de cursos profissionais não foi feito, não está a ser feito, de forma sustentada”, observou Mário Nogueira no diálogo com os jornalistas, afirmando mais adiante: “Em quatro anos, a oferta de cursos profissionais passou de uns residuais 10% para 60,3% do total global deste subsistema.”

Como afirmaria o secretário-geral da FENPROF, o Ensino Profisional “cresceu muito, mas cresceu mal”.

“Se, por um lado, este é um crescimento que poderia introduzir efeitos positivos, designadamente ao nível da redução do abandono escolar ou da resposta pública neste âmbito, por outro, ele está a fazer-se à custa do empobrecimento do currículo de formação geral, conferindo-lhe um estatuto de segunda oportunidade; do aumento da precariedade laboral dos docentes e de sucessivos atropelos à legalidade, designadamente em matéria de horários de trabalho e de subversão do conteúdo funcional e dos seus direitos profissionais; de redução do número de horas de formação, empobrecendo, principalmente, as áreas técnicas e práticas, que são fundamentais; da substituição de todos os cursos tecnológicos das escolas secundárias, mesmo quando os resultados eram positivos, sem que qualquer avaliação a tenha justificado; de empurrar muitas escolas para uma reorientação curricular para a qual não estavam, obviamente, preparadas”, destaca a nota divulgada aos profissionais da comunicação social.

Uma nota final para recordar, como fizeram Mário Nogueira e Anabela Sotaia, que desde há muito que as questões do Ensino Profissional e das escolas profissionais têm vindo a merecer por parte da FENPROF e dos seus Sindicatos uma especial atenção e têm estado presentes na sua actividade e acção reivindicativa.
“Sempre entendemos que o Ensino Profissional deveria ser assumido, inequivocamente, como um vector estratégico para a concretização de um novo modelo de desenvolvimento do País e dos cidadãos e que, por isso, a oferta deste tipo de cursos deveria, também, ter uma forte expressão nas escolas públicas”.

 

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