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Intervenção de António Lucas

 

 

 

10º Congresso da FENPROF

Montemor-o-Novo, 23 e 24 de Abril de 2010

 

 

INTERVENÇÃO

 

Sindicato dos Professores da Região Açores

 

 

O período da ditadura do “Estado Novo”, também para os professores portugueses, representou uma verdadeira mordaça no âmbito da reflexão e desenvolvimento da profissão docente, apesar das resistências de alguns pedagogos, como Bento de Jesus Caraça, Rui Grácio e Irene Lisboa, entre outros. Caíu-se num limbo apático, claramente condicionado pelos desígnios políticos da ditadura.

Apenas no começo da década de 70 do século passado, se inicia um movimento de contestação, ligado essencialmente a questões salariais, vínculos, degradação sócio-económica da classe docente e ao direito de livre associação. Esta contestação teve como rosto os Grupos de Estudo de Pessoal Docente, que estarão, após o 25 de Abril, na génese do movimento sindical docente.

Esta pequena introdução serve para fazermos o paralelismo com a situação de que a classe docente tem sido alvo, nos últimos dez anos, se a causa não é a ditadura, será, certamente, os desequilíbrios criados no mercado de trabalho, associados a uma política de uma década de desinvestimento na escola pública e de agravamento das condições de trabalho e precariedade.

Na última década, assistimos à extinção de largas centenas de escolas do 1º ciclo e à constituição de mega agrupamentos, à desregulamentação dos horários de trabalho, à divisão da carreira docente e à impossibilidade de mais de dois terços dos professores chegarem ao topo da carreira, ao fim da gestão democrática das escolas, à introdução da CIF na educação especial e ao afastamento de milhares de alunos do regime educativo especial e, consequentemente, dos apoios educativos, ao congelamento de dois anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço e a níveis de precariedade só verificados antes de 1974.

A acção dos professores no âmbito da Plataforma Sindical, claramente liderada pela FENPROF, conseguiu inverter, de alguma forma, esta tendência, as mega manifestações, que, certamente, tiveram profundos efeitos do ponto de vista político, contribuíram de forma indelével para o quadro parlamentar que temos hoje e contribuíram para que a nova equipa ministerial se sentasse à mesa das negociações.

De momento, as alterações mais visíveis que decorrem do acordo de Janeiro passado são o fim da divisão da carreira em professores e titulares, a possibilidade de todos os docentes chegarem ao topo e as alterações ao regime de avaliação do desempenho, conquistas em que poucos acreditavam apenas há um ano atrás. No entanto, o referido Acordo permitiu abrir portas para a discussão de outras matérias fundamentais, como os horários de trabalho, concursos e gestão.

Na Região Autónoma dos Açores, à semelhança do restante território nacional, também foram realizados fortes ataques à profissão docente e aos seus sindicatos. Nesta região, sobretudo a partir de 2001, a tutela apostou claramente na poupança nas despesas fixas com pessoal docente e não docente e canalizou grande parte destas verbas na renovação do parque escolar. Entre outras medidas, consolidou-se o processo, iniciado em 1999, de criação de agrupamentos verticais nas escolas dos Açores e o consequente encerramento de inúmeras escolas do 1º Ciclo, verificou-se o aumento do ratio alunos/pessoal auxiliar, alterou-se o regime educativo especial, reduzindo significativamente o número de alunos abrangidos por este regime e, no âmbito das alterações aos ECD, foram tomadas as mesmas medidas gravosas do continente, no que diz respeito a horários de trabalho e reduções da componente lectiva por antiguidade.

A forte determinação do Sindicato dos Professores da Região Açores e um longo processo negocial permitiram que, na Região Autónoma dos Açores, se mantivesse uma carreira docente única e sem constrangimentos administrativos nas progressões. Ao nível da gestão dos estabelecimentos de ensino, foi possível manter a gestão democrática das escolas e uma gratificação digna aos órgãos de gestão eleitos. O regime de concursos de pessoal docente manteve-se anual e centralizado. Em Março de 2008, face à persistência do SPRA, iniciou-se um processo negocial para a recuperação faseada do tempo de serviço congelado entre 2005 e 2007, que se concretizou em Julho de 2008.

Actualmente, o SPRA tem centrado o processo reivindicativo na aproximação dos horários dos vários ciclos e sectores de ensino e na uniformização das reduções da componente lectiva por antiguidade e a contestação do Decreto Regulamentar Regional que define o regime de avaliação do desempenho docente. O SPRA considera que este regime deve ter um carácter eminentemente formativo, centrado no trabalho colaborativo entre pares, que os resultados escolares dos alunos devem servir apenas para aferição do sistema, nunca devendo ser usados para a avaliação e classificação dos docentes, que as faltas equiparadas a serviço efectivo não deverão penalizar na avaliação docente e, por último, que a observação de aulas deverá ocorrer apenas quando os docentes requererem uma menção superior a Bom ou quando o órgão de gestão considerar haver indícios de más práticas educativas.

Nos tempos que correm, de grandes limitações à actividade sindical, colocam-se aos sindicatos de professores dois grandes desafios: inverter a tendência para a proletarização da classe docente e, consequentemente, a sua desvalorização e falta de reconhecimento social e inverter a tendência de desinvestimento no ensino público, que nos conduzirá, com certeza, a um conceito que um sociólogo americano definiu para a escola de gueto como escola mínima, ou seja, a escola que funciona com recursos mínimos.

A Valorização dos professores, da profissão docente e da escola pública, princípio que norteou os fundadores dos nossos sindicatos, volta a estar tão actual, hoje, como há 40 anos.

Montemor – o- Novo, 23 de Abril de 2010

António Lucas

Presidente do SPRA

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